Uma freguesia órfã
Tramagal vive do passado sem grandes perspectivas de futuro
O Tramagal é uma freguesia moribunda, órfã desde a década de 80 quando morreu a Metalúrgica Duarte Ferreira, uma instituição da vila ribatejana que durante muitas décadas deu sustento a 95 por cento da população. Hoje vila vive do passado.
A freguesia do Tramagal sempre viveu da e para a Metalúrgica Duarte Ferreira. Era a menina dos seus olhos. Uma dependência que saiu cara às gentes da vila. Quando, no final da década de 80, os portões da fundição se fecharam pela última vez, a actividade na freguesia quase parou. Uns reformaram-se, outros partiram para outras paragens em busca de emprego.Ficaram os velhos. Hoje Tramagal é uma freguesia desertificada e envelhecida. Basta percorrer as vias principais da vila para perceber que os jovens estão em grande minoria. Em dez anos (censos de 1991/2001) a freguesia perdeu 11,5 por cento da população, tendo actualmente pouco mais de quatro mil habitantes. Há três anos o índice de envelhecimento (pessoas com mais de 65 anos versus jovens com menos de 14 anos) situava-se nos 183 por cento. As pessoas nunca tentaram remar contra a maré. Não arregaçaram as mangas e foram à luta. Não se tentaram desfazer do estigma de coitadinhos. Pelo contrário, alimentaram-no. Quem o diz é o presidente da freguesia, inconformado com a situação.O Tramagal sempre teve tudo. Equipamentos sociais, culturais, desportivos. Uma cooperativa alimentar, um sindicato metalúrgico, um posto médico exemplar, um campo de jogos. O edifício dos correios foi feito pela Duarte Ferreira, as instalações da GNR também. Quando era preciso fazer alguma coisa pela comunidade, a metalúrgica lá estava.Este facto tornou as pessoas que ali viviam completamente dependentes da empresa. Não havia mais indústria, o pequeno comércio era praticamente inexistente, “abafado” pela cooperativa da metalúrgica. A complementar todas estas benesses estava o nível salarial de quem trabalhava na empresa, bastante acima da média da época. “O Tramagal era um paraíso”.Um paraíso que virou quase um inferno, quando se deu o colapso da empresa. Muitos “fugiram”, à procura de emprego em outras paragens. Como o actual presidente da junta. Os que ficaram passaram um mau bocado. Nessa altura houve fome. Porque gerações inteiras ficaram sem ter com que pagar o pão.A ironia é que, apesar de morta, a metalúrgica Duarte Ferreira foi responsável pelo regresso do equilíbrio à terra. Porque muitos dos seus trabalhadores, mercê da boa formação dada pela empresa, conseguiram emprego em curto espaço de tempo, nomeadamente nas oficinas da CP, no Entroncamento. “Foram esses indivíduos que vieram depois em socorro dos outros que aqui ficaram”.Mesmo assim, a factura da excessiva dependência ainda está a ser paga pela população. Os equipamentos construídos pela metalúrgica estão a degradar-se e carecem de manutenção. Alguns acabaram mesmo por fechar as portas, como o Teatro Tramagalense Limitada, um edifício onde se passava cinema e fazia teatro e que hoje está a cair de podre.A SAT – Sociedade Artística Tramagalense continua a funcionar, embora de forma periclitante, o campo de jogos precisa de melhoramentos urgentes e a pista de atletismo, que já foi considerada como a melhor pista de cinza do distrito, está abandonada.Não há dinheiro, mas também parece não haver vontade da comunidade de agarrar a herança que lhes foi deixada. Talvez porque a juventude não abunde na freguesia. A vintena de associações/instituições existentes são comandadas por gente de meia-idade, sem a criatividade e dinâmica do sangue novo. “O movimento associativo, que em tempos foi pujante, hoje praticamente está nas mãos de meia dúzia de carolas”.Nem tudo morreu com a metalúrgica. O posto de correios continua a funcionar, assim como a dependência da Caixa Agrícola, a única instituição bancária da vila. O centro de saúde, extensão do de Abrantes, vai ter brevemente novas instalações. A freguesia tem também um centro de dia, um lar de idosos particular, jardins-de-infância (um privado), escola primária e secundária.Estagnada está a política de habitação, mas o presidente da junta justifica essa falta. “São os tais factores do passado que se interligam e conduzem a este estado de coisas”. Que é como quem diz – não há oferta de habitação porque não existe procura suficiente. Não há jovens porque não há emprego, não há empregadores, os jovens não ficam. E não ficando não há quem invista na construção. É a famosa pescadinha de rabo na boca.Investimento é o que a vila mais reclama. Porque a sua zona industrial podia ser muito mais activa se as empresas fossem atraídas para ali. Para isso era preciso construir uma ponte sobre o rio Tejo, à entrada da vila para quem vem de Abrantes. Uma aspiração reivindicada há anos, que já teve inclusive verbas destinadas em PIDDAC. Mas não passou disso.“Quem quer vir para aqui quando tem zonas industriais mesmo à saída da A23?”, questiona Fernando Silva Pires, adiantando que a ponte é mais que uma urgência, é uma uma obrigatoriedade. Pela sobrevivência da freguesia e da região a sul do Tramagal, também esquecida.Cinco meses após ter feito 250 anos de elevação a freguesia, o Tramagal vive das recordações opulentas do passado. Com a míngua do presente.Margarida Cabeleira
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