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Lar amargo lar

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Infiltrações de água, fissuras e defeituosa colocação de mosaicos são alguns dos problemas mais comuns

Quem compra uma casa entra em trabalhos. O processo é moroso, a aprovação do empréstimo bancário depende em alguns casos da garantia de um fiador. São papéis atrás de papéis. E quando muitos pensam que finalmente o pesadelo terminou, ainda aparecem os defeitos deixados pelo construtor.

Alice Rola desembolsou 125 mil euros por uma vivenda na Quinta dos Espargos, na Chamusca. Se na altura soubesse que a casa lhe ia trazer tantos problemas tinha pensado duas vezes antes de a adquirir. Rachas nas paredes e tectos, acabamentos mal executados, verniz a escorrer das madeiras, alumínios riscados, enfim, uma série de malformações que só foram detectadas depois de ter a chave na mão (ver texto secundário).O problema de Alice é comum a muitas outras pessoas na região. E não escolhe idade, sexo ou condição social. Ao nosso jornal foram relatados casos semelhantes envolvendo advogados, jornalistas, autarcas e políticos. Todos eles pensavam estar a fazer um bom negócio quando adquiriram uma habitação. Todos eles tentam agora resolver os problemas, alguns com recurso à via judicial.É por isso que preferem não dar a cara para contar a sua “história”. Há quem tenha posto a casa à venda como forma de se desfazer do “berbicacho”. Outros acabaram por quase chegar a vias de facto com quem lhes vendeu gato por lebre.Quem compra uma casa entra em trabalhos. O processo é moroso, a aprovação do empréstimo bancário depende em alguns casos da garantia de um fiador, são papéis atrás de papéis. E quando se pensa que finalmente o pesadelo terminou, eis que aparece um ainda maior.São as infiltrações, a humidade nas paredes, a lareira que não puxa o fumo, a rampa para a garagem que não dá para o carro entrar, as portas que rangem, o soalho que levanta, enfim, problemas e mais problemas.Apesar das queixas que todos os dias se ouvem nos cafés, no cabeleireiro, à mesa do restaurante ou na sala de espera de um consultório médico, apenas uma pequena parcela dos lesados recorre a entidades oficiais para resolver o seu problema.Que o diga a Associação de Defesa do Consumidor (Deco). A delegação de Santarém recebeu e mediou durante este ano 22 processos relativos a defeitos e anomalias em habitações. Mas a jurista da associação acredita que os casos ali entrados representam apenas a ponta do icebergue que é a construção defeituosa em Portugal.Dos 22 casos apresentados à Deco por ribatejanos, 17 foram resolvidos – a favor do comprador, do vendedor ou simplesmente arquivados – e cinco continuam pendentes. Além destes processos, a associação recebeu também 45 pedidos de informação.Os problemas mais frequentes, segundo Eleonora Cardoso, são infiltrações de água nos cantos interiores, varandas e terraços; maus acabamentos na colocação de janelas e portas; aparecimento de fissuras nas paredes e tectos e defeituosa colocação de mosaicos e azulejos no chão e nas paredes.Santarém é o concelho com mais casos apresentados, oito no total. Seguem-se Rio Maior, com três, Almeirim, Entroncamento e Coruche com dois e depois uma série de concelhos em que foi apresentado apenas um caso - Alpiarça, Azambuja, Cartaxo, Salvaterra de Magos e Sardoal.A jurista da Deco não acredita que em Tomar, Torres Novas, Abrantes ou Benavente, concelhos com um forte índice populacional, não haja casos semelhantes. O que acontece é que as pessoas tentam resolver os casos directamente com os vendedores/empreiteiros e só em último recurso recorrem a outros meios, geralmente entrando pela via judicial, sem passar pela Deco. Que pode, numa fase intermédia, encaminhar os casos e mediar as situações.Os passos a darAlém disso há uma falta de informação generalizada sobre como se deve agir nestas situações. Poucos sabem, por exemplo, que a primeira coisa a fazer é enviar uma carta registada para o vendedor/construtor. E que só têm um ano para resolver a questão, com o prazo a começar a contar após registo da carta, para efeitos judiciais.Eleonora Cardoso diz ainda que a maior parte dos problemas não são resolvidos porque o comprador assina a escritura antes de resolver as situações que entretanto denunciou ao empreiteiro. “Isso é meio caminho andado para o problema não mais ser resolvido”.Queixas à Deco e ao Instituto do Mercado das Obras Públicas e Particulares e Imobiliário (IMOPPI), entidade reguladora do sector, são passos que o lesado também deve dar.Se bem que, desde Janeiro deste ano, o IMOPPI tenha ficado sem qualquer poder sancionatório, devido às alterações introduzidas no decreto-lei 12/2204, que identifica as novas competências para o instituto, ao nível da qualidade da construção. Se antigamente o IMOPPI tinha a faca e o queijo na mão para tirar alvarás e passar coimas a quem não cumprisse a legislação, neste momento a entidade apenas pode referenciar os prevaricadores. Mesmo assim, alerta a jurista de Deco, o melhor é o queixoso dar conhecimento da sua situação ao instituto, quanto mais não seja para que, caso a pessoa decida avançar para tribunal, fique o registo “negativo” da empresa alvo no IMOPPI.Para que não tenha surpresas desagradáveis quando entrar na sua nova casa, a Deco faz várias recomendações, entre as quais o de obter o máximo de informações do local onde fica situado o imóvel, verificar na conservatória se há hipotecas ou penhoras sobre a casa e, antes de mais, ler com toda a atenção os documentos a assinar, em especial o contrato promessa.Margarida Cabeleira Casal da Chamusca teve de meter mãos à obra Quando o comprador se substitui ao empreiteiroEm Agosto de 2003 o casal Rola fechou o negócio da vivenda dos seus sonhos, situada na Quinta dos Espargos, Chamusca. Nessa data a casa ainda estava nos acabamentos finais, demasiado suja para se perceber quaisquer defeitos. Defeitos detectados quando Alice e o marido iniciaram as limpezas do novo ninho. Entre o início de Novembro e 23 de Dezembro, data da escritura, o casal contactou por inúmeras vezes o empreiteiro da obra, de modo a que as deficiências fossem reparadas. Cada vez que o dono da imobiliária que lhe vendeu a casa, e promotor da urbanização, era contactado a resposta era sempre a mesma – “isso faz-se, não há problema”. O casal acabou por elaborar uma extensa lista de defeitos, enviando-a ao promotor do projecto, de modo a que tudo ficasse reparado antes da escritura da compra da casa. “O nosso receio era que ele acabasse por nada fazer depois de ter o dinheiro na mão”, refere a proprietária da vivenda.Um receio fundamentado, já que no próprio dia da escritura tudo estava por fazer. Nesse dia, o casal exigiu ao promotor que os certificasse, por escrito, em como se responsabilizava por todos os defeitos “descobertos” na vivenda.Mesmo assim Alice teve de esperar até Fevereiro para que se fizessem as primeiras reparações. “As coisas mais fáceis arranjaram, o resto deixaram”. Farto da situação, o casal acabou por arregaçar as mangas e passar fins-de-semana a reparar os defeitos. Lixou, pintou, envernizou. Gastou tempo e dinheiro a consertar o que deveria não precisar de ser consertado.As rachas no tecto e nas paredes, interiores e exteriores, continuam à vista. Porque Alice acredita que o problema é mais grave do que parece. “O meu vizinho do lado tem as paredes rachadas exactamente nos mesmos locais que eu. Será isto apenas coincidência?”, questiona.João Maurício, o vizinho, acredita que não. “Isto é um problema de estrutura”, afiança. Os dois vizinhos já contactaram um engenheiro para verificar in loco a situação e, caso os seus receios sejam confirmados, estão dispostos a accionar judicialmente a sociedade imobiliária propriedade de Severino Estorninho.
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