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Um enclave com vida própria

Um enclave com vida própria

As gentes da freguesia de Espinheiro são bairristas e aguerridas em prol do desenvolvimento da terra

É um pequeno enclave encravado no concelho de Santarém. Talvez por isso as pouco mais de 700 pessoas que moram na freguesia de Espinheiro, Alcanena, sejam bairristas e aguerridas. A floresta continua a ter peso na economia local e as boas águas têm fama.

“Tomariam muitas vilas terem o que nós aqui temos”, diz um idoso de Espinheiro, concelho de Alcanena. A freguesia de Espinheiro foi “parida” com sofrimento em 1928, numa altura em que a aldeia estava dividida – uma parte pertencia à freguesia de Abrã (Santarém), outra a Malhou (Alcanena).A população que pertencia a esta última sempre foi muito mais “acarinhada” do que a pertencente a Abrã, talvez por ficar mais distante da sua sede de concelho. Esta situação incutiu aos habitantes um espírito de bairrismo que ainda hoje se mantém.É por isso que subsistem actualmente vários “cantos” distintos dentro de uma terra com pouco mais de 700 habitantes. As fronteiras não são físicas mas “sentem-se”.Um arbusto (espinheiro) muito característico na zona deu nome à povoação, ajudada pela lenda de uma pastora que, andando a pastorear por aquelas terras secas, descobriu água por debaixo de alguns espinheiros.Água é também o que não falta na freguesia. “Gente de todo o lado”, como diz o presidente da junta, vem encher garrafas e garrafões na bica que incessantemente jorra o precioso líquido, vindo de um furo feito pela autarquia comandada agora por José Duarte Simões.“Não há melhor água que esta” sentencia Joaquim Duarte do alto dos seus 84 anos. De garrafão cheio na mão, o homem que tem a fama de fazer a melhor “pinga” da freguesia diz que agora já nem se lembra do vinho. “Só bebo um copito por dia, o resto é água, muita água”.Joaquim Duarte, outrora serrador que corria a região em busca de trabalho, diz que só há boa gente em Espinheiro. Gente que trabalha para o desenvolvimento da aldeia e a quem a junta de freguesia tenta retribuir com equipamentos, espaços verdes e embelezamento da terra. Não é normal numa pequena aldeia as estradas serem ladeadas por amplos passeios de calçada. Não é normal numa terra deste tamanho haver multibanco, correios, centro de dia, cabeleireiro, barbeiro, sapateiro, farmácia e posto médico. Existir um “mini-centro comercial”, vários cafés, uma adega típica que serve afamada comida e uma casa do povo com pujança. “Esta sempre foi uma terra de comerciantes”, diz o presidente da junta.E o que dizer relativamente a um museu etnográfico que se não é o melhor do distrito, não andará longe? Ali é retratada a vivência das gentes da aldeia ao longo dos tempos, a lavoura, à matança do porco ou à produção de vinho.Os serradores e os resineiros, profissões que existiram desde sempre na região, têm ali lugar de destaque. Eram homens fortes e lutadores que por onde quer que andassem tentavam dignificar sempre a sua terra. “Serrador que andas de cima/olha-me lá para o vertente/leva-me a serra pela linha/senão é vergonha para a gente”, escreveu em 1920 Adelino Almeirão, poeta popular. Uma quadra patente no museu etnográfico da freguesia.O saneamento básico chegou a Espinheiro há já 17 anos e há dois a junta de freguesia conseguiu acabar com a lixeira a céu aberto que existia numa das saídas da aldeia, na direcção de Alcanede.O jardim-de-infância e a escola do primeiro ciclo têm alunos suficientes, mas o futuro pode não ser risonho para os equipamentos, já que cada vez nascem menos crianças na aldeia. Em contrapartida a população está a envelhecer, enchendo o centro de dia.A migração para Santarém e Lisboa, à procura de melhores condições de vida, e a emigração, principalmente para França, reduziram o número de habitantes do Espinheiro para metade desde a década de 70.Uma situação que se sentiu particularmente no associativismo. Actividades desportivas e culturais, como um clube de futebol ou um rancho folclórico, tiveram em tempos idos alguma pujança na freguesia, mas acabaram por não sobreviver à perda populacional.Espinheiro sempre foi uma aldeia rodeada de floresta. Primeiro os pinheiros, depois os eucaliptos, com uma rentabilidade financeira maior. Hoje a floresta ainda tem um certo peso na economia, embora não tanto como antigamente, quando dava para as gentes da terra fazerem o seu pé de meia. “Há aqui casas construídas sem recurso ao banco, apenas com dinheiro que o dono conseguia tirar da floresta”, diz o secretário da junta.Uma floresta que nos últimos anos tem sido devastada por incêndios. Mas a junta de freguesia meteu mãos à obra e está já a reflorestar algumas zonas, algumas vezes com a ajuda de terceiros. Como aconteceu um dia destes, quando as crianças da escola do primeiro ciclo ajudaram a plantar algumas das três mil árvores doadas pela filial nacional da petrolífera BP.Quando se pergunta ao presidente da junta o que falta na freguesia a resposta demora a sair. “Sinceramente, acho que temos cá tudo o que faz falta”, diz, adiantando logo de seguida – “talvez o alargamento de algumas estradas que nos ligam a outras freguesias”. Margarida Cabeleira
Um enclave com vida própria

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