Setenta anos a cortar cabelos
Álvaro Coelho Agnelo, 84 anos, é o barbeiro mais antigo em actividade na Chamusca
Álvaro Coelho Agnelo é o mais velho barbeiro em actividade na Chamusca. Tem 84 anos, quase todos passados a escanhoar a cara e a cortar o cabelo aos clientes. A barbearia onde trabalha foi montada por ele há mais de seis décadas e poucas alterações sofreu desde então.
Aos 14 anos Álvaro Coelho Agnelo já tomava conta da barbearia do “Chané”, uma alcunha que, curiosamente, não é dele, mas sim do tempo em que o seu irmão Jaime jogava a bola. “Ele era muito temperamental, refilava muito, e por isso puseram-lhe essa alcunha, que passou para mim por simpatia”, justifica o barbeiro.Casado e com dois filhos, Álvaro Coelho Agnelo é um daqueles casos de longevidade que ajuda a conhecer melhor o temperamento dos homens de antigamente. Começou cedo na arte, aos 10 anos. “Acabei a quarta classe e os meus pais mandaram-me aprender a arte de barbeiro com o mestre Chico Montalvo, que já morreu há muitos anos”.O mestre Chico, que tinha outras actividades, entregou a barbearia a Álvaro Agnelo quando este fez 14 anos. “Começou a vir ajudar-me só ao sábado, que era o dia mais forte da semana”. Durante a semana trabalhava sozinho e os fregueses já confiavam nele. Que o diga Joaquim Redondo, 89 anos, cliente de Álvaro Agnelo há mais de meio século. Mais do que um cliente, Joaquim Redondo é um amigo.Há 60 anos, Álvaro Agnelo decidiu montar a sua própria barbearia, que mantém hoje praticamente sem alterações. A cadeira é a mesma, as pequenas prateleiras - onde coloca os utensílios, os desinfectantes e os perfumes - são as originais. Inovações só mesmo no que respeita às duas máquinas eléctricas, que substituíram as manuais, e que em dias de muito trabalho “chegavam a deixar os dedos com cãibras”, diz o velho barbeiro da Chamusca.Uma outra novidade foi a compra de um pequeno rádio, já muito gasto mas que continua a debitar, embora algo roufenha, a música pimba que Álvaro e os clientes tanto parecem gostar. Uma resistência que aquece a água para fazer a barba aos fregueses no Inverno foi a última grande aquisição na barbearia mais antiga da Chamusca. Na parede, a tabela de preços indica que o corte do cabelo, tanto faz ser à inglesa curta, inglesa comprida, à garçon, rente ou um corte mais moderno, custa 600$00, (assim mesmo, ainda em escudos). E uma barba bem escanhoada, por uma mão que apesar dos seus 84 anos ainda não treme, custa 250$00. Aliás, Álvaro Agnelo continua a fazer as contas na antiga moeda portuguesa.Apesar da idade, as suas mãos, afiança, ainda não tremem. “Qualquer freguês pode ter confiança em colocar a sua cara nas minhas mãos”. Piores são as dores no joelho, que não o deixam estar de pé por muito tempo”, diz o barbeiro que já nem se recorda de quanto custava um cabelo e uma barba no início da sua carreira. “O preço mais baixo que me recordo de praticar foi de cinco escudos, para um serviço completo”.Enquanto espera sentado por mais algum cliente, Álvaro Agnelo recorda com mal disfarçada melancolia os tempos em que havia catorze barbearias na Chamusca, “e todas com muita freguesia”. “Na altura toda a gente vinha ao barbeiro fazer a barba pois não havia lâminas. Aos sábados, que era o dia de mais trabalho, cheguei a trabalhar das oito da manhã até às duas horas da madrugada, só parava para almoçar, comer um petisco e beber um copito ao meio da tarde, depois só jantava no final do trabalho”, diz com nostalgia.Pelas mãos de Álvaro Agnelo passou muita gente ilustre da Chamusca, mas os seus maiores clientes foram sempre os operários e os trabalhadores rurais que, principalmente no final da semana, passavam muitas horas sentados nos bancos redondos de madeira, a discutir futebol, o Benfica e o Sporting. Em mais de 70 anos de trabalho Álvaro Agnelo sabe de muitas histórias mas, como diz, “o que ouvimos num desabafo de um freguês não é para contar para ninguém”. Na velha barbearia, sem vitrines, as prateleiras continuam povoadas dos produtos de antigamente. Como a caixa do pó de talco que ainda é usado, as velhas navalhas, sabões para a barba e a pedra cicatrizante que ainda vai estancando o sangue de um ou outro pequeno corte que sempre acontecem.Enquanto se vai queixando do joelho, o velho barbeiro conta que não chegou a ir à tropa porque “o senhor visconde de Santa Margarida”, o livrou a ele e ao irmão.Hoje, Álvaro Agnelo já não tem tantos clientes mas, mesmo com as dores diárias do joelho o barbeiro tem sempre a porta aberta. Sempre vai ganhando algum e também serve de entretém...
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