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O último regedor

Luís António Jerónimo é uma figura bem conhecida na freguesia
Chamam-lhe o regedor, o vinagreiro, o homem bem disposto que está sempre pronto a servir mais um copo. Luís António Jerónimo, do Pintado, um dos 36 lugares da freguesia de Casais, é conhecido de todos.Foi o último regedor - autoriudade administrativa das freguesias antes do 25 de Abril - de Casais, de 1970 a 1974, cargo que “só lhe deu trabalho”, segundo diz. “Ganhava 10 tostões por dia e nunca recebi nada. Uma vez ainda fui à câmara, mas era tanto papel, tanto carimbo que não tive paciência. Vim-me embora. Ficassem lá com o dinheiro”.Luís Jerónimo nasceu na aldeia há 76 anos, na casa dos pais, como era usual na altura. Uma casa térrea à beira da estrada nacional 110, onde a mãe, ajudada por uma “parteira” da terra, o deu à luz. Luís Jerónimo não sabe se ela se chamava Martinha ou Silvana, sabe que ficou comadre da mãe. “Era assim, ficavam logo comadres”, diz encostado ao balcão da taberna fundada por ele e pelo pai há 45 anos.Os pipos metidos na parede estão lá só para enfeitar. São só os tampos, o resto já desapareceu. “Ainda se vende vinho, tinto sempre, mas pouco. Estou aqui para me entreter e às vezes chego à noite com a caixa vazia”.Mantém o ar ladino de quem prometia e não faltava, mas vai dizendo que não era nada assim. “Fui sempre bom rapaz” e disso ninguém duvida. Escusa-se a contar as suas peripécias, porque é para o jornal – “vai ser bonito quando isso sair” – mas lá vai dizendo que assentou praça no “onze” em Setúbal, que era o “quartel dos corrécios”. “Depois fui para as Caldas da Rainha e sempre que havia alguma coisa, mesmo sem saberem, apontavam logo os gajos do onze. Era uma sina...”. Puxa o cigarro e enquanto vai expelindo o fumo continua as suas recordações: “O cinema nas Caldas ainda era em madeira... Aos anos que isso foi. Eu passei por tanta coisa que às vezes até penso que já morri”.Quando voltou para o Pintado trabalhava com o pai na mercearia e salsicharia, só mais tarde abriu a taberna. “Era tudo aqui nestas lojas. Matavam-se os porcos de madrugada e, como na altura não havia gás, eram chamuscados com mato. Se o mato estava molhado era uma trabalheira”.Na taberna os amigos de sempre bebiam e jogavam às cartas, à sueca, e de vez em quando lá aparecia um petisco. “Pouco, porque eles queriam comer e beber e esqueciam-se de pagar”. Celhas de vinho, copos de 2,5 dl, eram os mais pedidos. “Eu também bebi, mas deixei-me disso há quase 20 anos. Um dia disse para mim: não bebes mais. E nunca mais bebi, só água, mais nada”.Agora já nem a taberna cheira a vinho. A salsicharia fechou e a mercearia foi substituída por uma loja de tintas. “Isto passou a ser o escritório dos caçadores, vêm para cá todos combinar as caçadas”, continua.Luís Jerónimo também foi caçador, mas dizem as más línguas que nunca sujava a espingarda. “Não era bem assim... Gostava mais dos petiscos”.

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