O homem que escreve a cantar
José Maria Branco, poeta popular de Casais Martanes, Pedrógão (Torres Novas)
Guardou cabras, trabalhou no campo foi motorista. Namoradeiro e dançariço, quis ser fadista mas uma amigdalite tirou-lhe as ideias. A história de vida de José Maria Branco é contada em versos. Que escreve enquanto canta. Baixinho.
Contou e cantou a sua vida em quadras, quintilhas e sextilhas, rimadas a compasso. Mas também os amigos, as terras onde viveu, as raparigas que namorou e a crítica social foram e são para José Maria Branco tema para mais um verso. Natural do Casal João Dias, freguesia de Pedrógão (Torres Novas), José Maria Branco, 76 anos, escreve em qualquer lugar, desde que esteja sozinho. Porque só o faz a cantar.Na região conhecem-no sobretudo como o chauffer da Renova. Durante anos e anos conduziu a carrinha da empresa para levar as crianças do Almonda para as escolas de Torres Novas até que um dia houve um amigo que o convenceu a editar os versos que escrevia nas horas vagas.“Diz lá na capa do livro que foi o major Carreto que me entusiasmou”, conta com a vivacidade que o caracterizou toda a vida. É uma pessoa bem disposta e sempre foi. Gostava de cantar o fado e de dançar e para namorar também tinha jeito, “mas sempre com muito respeito”.José Maria Branco só foi à escola depois de adulto – “tinha 20 anos quando aprendi a ler na Voz do Operário”- porque a família não teve dinheiro para isso. Começou por guardar cabras pelas encostas da Serra de Aire, depois trabalhou no campo e aos 17 anos rumou para Lisboa. Andou nas obras e cantava o fado, levado por um irmão mais velho que morava no Bairro Alto. “Dantes o fado era cantado nas tabernas, muito gostava eu de cantar”, confessa com um brilho nos olhos. Para seu desgosto uma amigdalite infecciosa impediu-o de continuar. A conselho médico, a irmã com quem vivia queimou todas os folhetos com letras de fados que José Branco comprava aos cegos por alguns tostões.Deixou as cantorias e começou nos bailaricos. Não perdia um e já que não podia cantar o corpo não se cansava de dançar. Enquanto isso, mudou de emprego e conseguiu de uma vez só tirar a carta de ligeiros, pesados e profissional. Custou-lhe o dinheiro que tinha herdado por morte do pai, três contos de réis, mais quinhentos escudos. Chegou a estar na praça, mas não gostou do ofício porque os taxistas “eram muito aldabrões”.Casou e pouco tempo depois voltou para Torres Novas, mais exactamente para Casais Martanes, já lá vão 49 anos. Esteve para arranjar emprego nos Claras, mas quando lhe disseram que o passageiro tem sempre razão não quis. “Não podia ser. Quando eu tenho razão não me calo…”. E preferiu aceitar o trabalho na Renova.É tudo isto e muitos outros poemas rimados que José Maria Branco publicou no livro “Recordações do Passado – Fados e Poemas”. Como o próprio afirma: “Minha vida foi sempre assim/Fazer versos e cantar fados/Ter amigos ao pé de mim”.E já que nunca mais pode cantar o fado, vai matando a saudade dos trinados da guitarra cantando enquanto escreve. “É por isso que às vezes são quatro versos, outras cinco ou outras seis, conforme a música”.Margarida Trincão
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