O guardião do templo
Há mais de duas décadas que António Rebelo zela pela Igreja de Santa Maria dos Olivais
Há mais de 20 anos que António Rebelo passa os dias no rés-do-chão da torre da Igreja de Santa Maria dos Olivais, em Tomar, tendo um único objectivo – guardar o templo da devassa alheia e de frequentadores indesejáveis. Mas António faz muito mais que isso, funcionando como um verdadeiro guia turístico a quem visita o monumento.
Durante muitos anos percorreu o mundo a bordo de paquetes de luxo, onde servia refeições a gentes de todas as raças e credos. Há cerca de duas décadas mudou de profissão e de cidade, trocando o mar por terra firme e o bulício de Lisboa pela calma de Tomar. Hoje, quem procurar por António Rebelo encontra-o todos os dias sentado no rés-do-chão da torre da Igreja de Santa Maria dos Olivais, onde presta serviço como guarda.António Rebelo é daquelas pessoas que gosta do que faz. E por isso tenta ir sempre mais além nas atribuições que lhe estão destinadas. Sem descurar a protecção ao templo, o guarda dá informações e explicações sobre o monumento aos visitantes. Porque gosta e porque acha que a história da igreja não é muito conhecida.Dar assistência aos turistas é agora mais fácil do que era quando iniciou a profissão de guarda, nos finais da década de 80, porque na altura o seu tempo era gasto a resolver situações bem mais desagradáveis. A zona envolvente à igreja, principalmente as traseiras, estava cheia de canas e silvas, sendo local escolhido de toxicodependes e prostitutas.“Era uma zona muito mal frequentada, mesmo de dia. Havia muita gente que vinha para aqui fazer tudo menos rezar”, garante António Rebelo, que chegou até a ser, por diversas vezes, ameaçado por quem fazia das traseiras do monumento um local de negócios pouco claros.Nessa altura não havia sequer telefone na igreja e sempre que o guarda precisava de dar conta do que se passava no local, ia à pastelaria mais próxima telefonar para a polícia mas quando os agentes da autoridade chegavam já os prevaricadores tinham debandado para outros lados.Uma situação que só melhorou depois de há cerca de oito anos a Junta de Freguesia de Santa Maria dos Olivais ter decidido limpar o espaço. Quase ao mesmo tempo António Rebelo recebeu ainda outro presente – um telefone, que a câmara colocou no rés-do-chão da torre. Uma torre diferente das outras, já que não está fisicamente ligada à igreja, situando-se em frente à porta principal do templo.É do rés-do-chão da torre que o guarda vigia a igreja. “Daqui vejo tudo quanto se passa, quem entra, quem sai”. De hora a hora faz a ronda em redor do monumento.O dia de trabalho do guarda começa às 10 da manhã e termina às cinco da tarde, sem interrupção para almoço. “Trago alguma coisa de casa e como mesmo aqui”, diz, apontando para o pequeno saguão da torre.Antes de fechar a porta da igreja o guarda faz um relatório diário sobre o movimento de visitantes e descreve alguma situação menos normal que se tenha passado.Ao longo de duas décadas António Rebelo registou alguns episódios mais ou menos caricatos. Como o caso da senhora que ficou fechada dentro da igreja e que só saiu depois de algumas horas a bater com toda a força na porta.Nesse dia o guarda teve exactamente um procedimento idêntico aos restantes dias. Antes de fechar a porta bateu a grande chave com toda a força contra a sua maçaneta, ao mesmo tempo que gritava para o interior – “atenção, a igreja vai fechar”.Sem obter qualquer resposta, António Rebelo olhou para a nave do templo e não viu ninguém lá dentro, fechando a porta descansado. Foi só no dia seguinte que soube que afinal uma senhora lá tinha ficado, não ouvindo os seus avisos... por ser surda. “Durante um tempo até andei traumatizado”, confessa o guarda.Há ainda pessoas tão crentes e devotas à Ordem dos Templários que são capazes de estar uma hora ou duas a rezar, descalças e em cima de uma pedra que tem esculpido o Santo Graal. “Dizem que pondo ali os pés ganham uma energia redobrada”. O guarda admite ser um pouco céptico relativamente a determinadas coisas, mas respeita todas as opiniões. Ele próprio, confessa, já lá pôs os pés, para experimentar. “Costumo dizer que se não fizer bem, certamente mal também não faz”.António Rebelo orgulha-se do seu trabalho, principalmente porque lhe possibilita o contacto com pessoas de diferentes países e culturas e o treino do inglês e do francês, que aprendeu quando andava embarcado.É um autodidacta no que respeita à história de arte. Ao longo dos mais de 20 anos que exerce a actividade de guarda da igreja de Santa Maria dos Olivais já leu muitos livros sobre a história de monumentos, não só daquele que guarda mas de muitos outros. Além disso, diz, sempre teve o privilégio de lidar com muitos historiadores.O guarda do monumento admite que a sua actividade é um bocado parada, em termos físicos, compensada no entanto com muito frenesim intelectual. Do que o guarda mais gosta é de ver chegar um grupo de turistas para lhes explicar a história da igreja. Uma história que, diz, mais de metade da população do concelho de Tomar não conhece. Como por exemplo o facto de o monumento ter sido em tempos um panteão e de estarem ali sepultadas figuras históricas do concelho. Como o Mestre Gualdim Pais, fundador da cidade.Margarida Cabeleira
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