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Cantar com as mãos

Cantar com as mãos

Paula Teixeira traduz canções em linguagem gestual

A música e a linguagem gestual surgiram por acaso na sua vida. Paula Teixeira decidiu juntar as duas. A cantora de Alverca, uma das vozes de “Morangos com Açúcar”, torna as canções audíveis mesmo para quem não consegue ouvir. O segredo é a expressão corporal.

O corpo da cantora ondula ao som do tema “Sinto-te aqui”. As mãos acompanham a música. O gesto vem do fundo do peito e sobe até à garganta. Depois o dedo indicador pende na direcção do chão. São assim todas as músicas interpretadas pela cantora natural de Alverca, Paula Teixeira. Os gestos misturam-se harmoniosamente com a voz e as canções tornam-se audíveis, mesmo para quem não consegue ouvir. “É uma mensagem universal. A música acaba por chegar a quem ouve e a quem não ouve”, explica a cantora de 29 anos. A expressão corporal é o segredo que a intérprete gestual utiliza para conferir musicalidade a cada tema. Cantar e traduzir ao mesmo tempo requer redobrada atenção. Paula Teixeira canta um “português gestual” que inventou para o palco e não a língua gestual pura, que tem uma estrutura gramatical muito própria, semelhante ao inglês.Para apresentar uma canção, Paula Teixeira tem que a estudar e encaixá-la na música. Quando a cantora toca guitarra – outra das suas paixões – está uma intérprete a seu lado a traduzir tudo o que está a dizer. Isso acontece sempre que o tema exige uma grande concentração a nível de interpretação. Os maiores fãs de Paula Teixeira estão entre a comunidade surda. Sempre que tem um espectáculo agendado as várias dezenas de admiradores caem em massa. E mesmo sem a capacidade de ouvir o público surdo “canta” com Paula Teixeira. “Já tive experiências fabulosas. Metade do público está a cantar. Metade do público está a cantar com as mãos. Depois os ouvintes também começam a ficar influenciados”, descreve.Paula Teixeira, uma das vozes das novelas da TVI “Morangos com Açúcar”, “Anjo Selvagem” e Baía das Mulheres”, recusa que esta seja uma estratégia de marketing. “Se as pessoas vivessem o que eu vivo saberiam que isto é uma coisa genuína. Sempre que tiver mãos e voz hei-de cantar com língua gestual”.À medida que fala, Paula Teixeira deixa escapar algumas expressões em linguagem gestual. Hoje isso acontece quase inconscientemente, mas de início foi difícil habituar-se a falar com gestos porque não tem ninguém surdo na família. O convívio com os amigos que fez na associação onde tirou o curso foi a melhor forma de pôr em prática a teoria.A música e a linguagem gestual surgiram na sua vida por acaso. Paula Teixeira pisou um palco pela primeira vez aos 12 anos, no Teatro Maria Matos, durante uma festa da Associação de Pais e Amigos do Cidadão com Deficiência Mental. A experiência influenciou-a e Paula Teixeira ingressou num curso de educadora para crianças com necessidades especiais até se deixar fascinar pela linguagem gestual.“Acho que já aconteceu a toda a gente ver um grupo de surdos a falar e não perceber rigorosamente nada. Fiquei curiosa e fui tentar saber como poderia aprender”, recorda.Descobriu a associação de surdos e inscreveu-se no curso básico. “A minha vida deu uma volta de 180 graus. De repente encontrei-me num mundo completamente silencioso que achei fabuloso”, descreve. O curso de educadora ficou para trás e entregou-se por inteiro à linguagem gestual. Em 1998, depois de participar no concurso Chuva da Estrelas, a comunidade de surdos lançou-lhe um desafio. Nesse, ano deparou-se-lhe pela primeira vez uma plateia de surdos. “Ali não era o timbre, a afinação, o poder vocal ou todas as qualidades técnicas de cantora. A canção exige uma entrega muito grande. Ali tinha que ser a dobrar”. Foi assim que em 2000 nasceu a “Promessa”, o primeiro álbum de originais onde decidiu aliar a voz à linguagem gestual. Seguiu-se o “Anjo Azul”.A intérprete, que aparece ao canto do ecrã nas manhãs da TVI, inclui a linguagem gestual nas suas músicas para mostrar que, mesmo quem não ouve, consegue sentir a música de uma forma muito particular. Ana Santiago
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