Quando os bonecos falam
Sérgio Baptista é ventríloquo há 27 anos e corre o país
Sérgio Baptista descobriu com 18 anos que tinha jeito para ventríloquo. Já actuou em casinos, bares, em várias salas de espectáculo do país e do estrangeiro. Hoje corre o país levando a sua arte às festas populares. É um dos artistas portugueses que ainda vão sobrevivendo à crescente concorrência dos cantores.
Um carro comercial branco pára à porta do pavilhão da comissão de festas de Foros de Salvaterra de Magos. São três e meia da tarde de domingo. De dentro da viatura sai um homem baixo de fato azul escuro, camisa branca, gravata extravagante salpicada de corres garridas. Assume uma postura de artista que foi moldando em 27 anos de carreira. Enquanto tenta desviar-se do fumo que sai de um grelhador, no largo de terra, onde assa um porco no espeto, retira uma pequena mala preta do porta-bagagem. Ainda traz o autocolante do aeroporto. “Venho agora da ilha Terceira, Açores, onde estive a actuar para os sargentos da base aérea”, explica Sérgio Baptista.No interior do pavilhão dez homens olham espantados para o ar aéreo do ventríloquo. Os outros participantes do almoço convívio do segundo aniversário do clube motard Unidos do Ribatejo tinham ido beber café a um bar. O artista dirige-se ao palco. Posiciona o tripé do microfone por baixo de um candeeiro de lâmpadas florescentes. Minutos depois já está sentado à mesa a comer um naco de porco assado. Tenta disfarçar a inquietação por a sala estar quase vazia dando uns tragos no tinto vertido num copo de plástico. Olha várias vezes em redor a ver se chegou mais alguém. Entretém o tempo a contar a sua vida. Pisou o palco com 18 anos, quando descobriu que tinha jeito para ventríloquo. Vivia em Beja. Depois transferiu-se para o Carregado (Alenquer), onde ainda reside, pouco tempo depois.Nasceu no norte, no distrito da Guarda, há 45 anos. Mas adoptou a pronúncia alentejana. “Gostei da maneira deles falarem a cantar”. Comprou o primeiro boneco na feira do Martim Moniz, em Lisboa. Chamava-se Toni e levou-o a representar a sua arte, que diz estar em vias de extinção, nos Estados Unidos da América.São quase cinco da tarde quando sobe as escadas de madeira do lado esquerdo do palco. Na sala já há uma centena de pessoas. Improvisa o começo. “Estão habituados a ver na televisão uns senhores a dizerem que vão ao cu a este e aquele. Aqui não se vai passar nada disso”. Ri-se e segue o discurso. “Chamo-me Sérgio Baptista e sou ventríloquo. Podem chegar-se para a frente, tragam a cerveja que eu vou buscar os bonecos”. Tira a toalha branca de casa de banho que envolve a cabeça do boneco Simão. Segura-o com a mão direita. A esquerda entra nas costas do Alentejano, onde existe uma mola que aperta e faz abrir a boca do boneco. Manda a primeira laracha. “Fomos os primeiros a chegar à lua”. Sem mexer os lábios faz a voz rouca do alentejano: “É mentira. Já lá estava o Paulo Portas à procura de emprego”. O público, na maioria masculino, ri-se. Os diálogos adaptados de anedotas sucedem-se com os bonecos a abrirem a boca freneticamente. Depois avança para a música. Intercalando as vozes, canta ao ritmo de um corridinho: “Um castelo com dois muros/ Eu hei-de mandar fazer/ Para Guardar os teus olhos/ Porque não sei se estão seguros”. Quando acaba, o ventríloquo, que na década de 80 fazia espectáculos no Casino do Estoril, antecipa-se ao público. “Obrigadinho pelos vossos aplausos”. Recebe uma “chuva de palmas”.Para o final chama dois voluntários. Um casal sobe ao palco. Fazem de bonecos. À medida que o artista aperta o pulso de um ou do outro estes abrem a boca. Canta por eles um bailinho da Madeira. O público contorce-se nas cadeiras às gargalhadas vendo a figura que o David e a Isabel fazem em palco. E o espectáculo termina com o refrão “deixem passar esta linda brincadeira”. E assim se fez mais um espectáculo de um artista português.António Palmeiro
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