Meu caro Moita Flores
Caro Moita Flores, na sua obra de ficcionista – e como escritor – você é quem decide tudo : quem morre, quem nasce, quem ganha, quem perde... Mas, em eleições a sério e em democracia quem decide são os eleitores.
Como sabe, tenho consideração por si. E penso que a inversa também será verdadeira. Mas, ao ler as 18 páginas do seu discurso de candidatura à Câmara de Santarém – que me chegou às mãos – fiquei surpreendido e indignado. Passo a explicar porquê.Ao longo dos últimos 30 anos e de inúmeras eleições autárquicas em Santarém, o PSD local nunca conseguiu apresentar candidatos suficientemente credíveis e por isso nunca ganhou. É um facto. Por vezes também aconteceu que, à falta de candidatos de peso local, fosse tentado a apostar em forasteiros de visibilidade nacional. Também não funcionou. Recordo-lhe, por exemplo, que em 1993 e para a Assembleia Municipal, eu tive como adversário o engenheiro Mira Amaral, então ministro-vedeta de Cavaco Silva. No dia dos votos ele teve 26% e eu uma maioria absoluta de 52%, isto é, o dobro.Portanto, nesta matéria, e antes de se queixar dos outros, o PSD só tem de se queixar de si próprio.A vitória do PS em todas as eleições autárquicas que se realizaram em Santarém desde 1976 deve-se exclusivamente a duas razões : mérito próprio e falta de concorrência forte. É tão simples quanto isto.O facto de uma vez mais, e em desespero de causa – por falta de candidatura local credível – o PSD ter recorrido a si, é um sintoma de fragilidade e de impotência política.É óbvio que, embora insólita, a sua candidatura é legítima.O que não é legítimo e ultrapassa as medidas do confronto político civilizado, é que no seu discurso de palavras pesadas e pensadas você chegue a Santarém de sopetão para insultar a inteligência dos eleitores (afinal aqueles a quem vai pedir o voto...) e a idoneidade e honestidade dos autarcas socialistas sucessivamente eleitos ao longo de 30 anos.Vale a pena citar algumas palavras e expressões do seu delirante discurso com que pretende atingir o PS e os seus autarcas : «novos senhores feudais», «forma suserana de fazer política», «pouca vergonha ... falta de respeito pelos vivos e pelos mortos ...», «grilheta que obriga outros servos a novos senhores, que manipula, que usa o poder para perseguir ... que oprime pela indução do medo», «Santarém ... vive asfixiada pelos funcionários do partido, pela indigência intelectual de uma inteligência submetida, vergada, medrosa face ao caciquismo, à arrogância, ao embuste político ...», «prostituição de princípios», «As autarquias não são asilos, não são centros de emprego, não são o lugar para onde se despejam os menos capazes para a política nacional ...», «círculo de terror e servilismo...», «As oposições na autarquia lutaram mas não foram capazes de rebentar os interesses do clientelismo». Etc., etc…Confrontado com a construção delirante e persecutória do seu discurso e a terminologia utilizada, seria tentador interpretá-lo à luz da minha formação e prática psiquiátricas. Mas não irei por aí. Até porque, conhecidas as duas facetas do autor do texto, me parece que tudo é apenas consequência de duas coisas : a linguagem inquisitória e acusatória de um ex-inspector da PJ ; e a capacidade literária de construir e amplificar ficções imaginárias e imaginosas a partir da má língua das conversas de café. A fusão das duas resulta tão explosiva como insultuosa.Insultuosa, antes de mais, para os eleitores do concelho e para a sua inteligência e bom senso. Eleitores que se deixaram «enganar» pelo PS durante 30 anos sem excepção. Não é, meu caro, com vinagre deste que se caçam ... votos.Insultuosa ainda para com dezenas ou centenas de autarcas do PS e de outros partidos que, com o seu voto, viabilizaram as decisões autárquicas dos últimos 30 anos. A política não é uma entidade abstracta, tem rostos e pessoas concretas : presidentes de Câmara como Ladislau Botas, José Miguel Noras ou Rui Barreiro; e presidentes de Assembleia Municipal como Jaime Figueiredo e Joaquim Santos Martinho (ambos já falecidos), ou José Faustino e eu próprio.Todos, sem excepção, mostraram ao povo do concelho de Santarém a sua honestidade, a sua competência, a sua dedicação, o seu sacrifício pessoal, o seu apego aos valores democráticos. Santarém – e os seus apoiantes – sabem disto. Apenas você, que só agora desembarcou na cidade, é que não sabe. Por isso não deveria exibir a sua ignorância e insultar quem não conhece.Ainda na sessão de apresentação, o então Secretário Geral do PSD, Miguel Relvas (citado por «O Ribatejo») afirmou : « Moita Flores foi a primeira e única opção para o desafio de roubar a Câmara ao PS ».Roubar a Câmara ao PS ? ! Mas então o Secretário Geral de um partido vai buscar um ex-polícia para o envolver no roubo de uma Câmara ? ! Ao que isto chegou !Caro Moita Flores, na sua obra de ficcionista – e como escritor – você é quem decide tudo : quem morre, quem nasce, quem ganha, quem perde...Mas, em eleições a sério e em democracia quem decide são os eleitores.Confundir ficção com realidade é um erro que pode ser «a morte do artista».Em todo o caso – e com tolerância democrática – desejo-lhe que seja eleito. Quanto mais não seja para que, como vereador, possa levar o mandato até ao fim e aproveitar para aprender a conhecer o concelho de Santarém, que não é só as Portas do Sol e o Café Central.
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