uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
“Vim para ficar e ganhar”

“Vim para ficar e ganhar”

Francisco Moita Flores, o escritor que é candidato à Câmara de Santarém apoiado pelo PSD

Francisco Moita Flores abandonou a crítica de sofá, descalçou as pantufas e decidiu meter-se na política para se candidatar à Câmara de Santarém com o apoio do PSD. Cidadão independente, diz que foi um acto de solidariedade para com a comunidade e garante que veio para ganhar e ficar.

Como é que aparece como candidato à Câmara de Santarém?Apareci pela pressão de amigos. Não estava no meu horizonte candidatar-me a qualquer cargo público. Acontece que com a situação que fui vendo, como residente no concelho, era preciso os homens bons assumirem a decisão de avançar. Fui muito condicionado por um artigo de Cavaco Silva, que foi muito aplaudido por Mário Soares, sobre a necessidade de os cidadãos mais comodistas, que têm passado a vida a criticar de sofá, darem um passo em frente substituindo a má moeda pela boa moeda.Teve um rebate de consciência nessa altura?Acho que Cavaco Silva tinha razão. A vida deu-me já muita coisa boa, o país deu-me muita coisa boa – julgo também ter dado muita coisa boa ao país – e há momentos em que temos de devolver a gratidão em termos de solidariedade.Encara essa candidatura como uma espécie de sacrifício em prol da comunidade?Não vejo isso como sacrifício, sim como um acto de solidariedade. Mas vou ter saudades por perder o contacto com os meus alunos. Não tenho carreira política, não sou funcionário de partido nem estou à espera que algum partido me arranje um lugar ao sol. Tenho uma vida profissional cheia. Mas estou convicto que vai ser possível transformar este concelho numa coisa melhor.Quem é que o desafiou a entrar nessa corrida? Foram pessoas ligadas a partidos, foram independentes?Os primeiros agitadores são amigos meus de há muitos anos que vivem aqui, como o Carlos Mendes e o Valdemar, que me estimularam muito a arrancar. As primeiras viagens que fiz pelo concelho foram com eles. Depois trouxeram outros e mais outros e às tantas já andavam trinta ou quarenta comigo…Até que se convenceu a avançar…Eu não estava disposto a vir aqui jogar o meu prestígio, a minha carreira, a minha vida, para viver uma aventura irresponsável - como tem sido irresponsável estes últimos quatro anos de câmara municipal. Eu próprio dirigi uma sondagem para perceber o estado de degradação do concelho, que é terrível. Nomeadamente dentro das hostes do Partido Socialista. Foi o que mais me determinou. A minha alma está dentro do centro-esquerda e uma coisa que me confrangeu foi ver tantos e tantos socialistas completamente desencantados. Porque este presidente conseguiu uma coisa inacreditável, que foi fazer uma política mais contra o seu partido do que a favor das pessoas. Afirmando-se como de centro-esquerda, não deixa de ter o estigma de ser apoiado por um partido considerado de centro-direita, como é o PSD.Isso é um preconceito…Mas é um dado com que irá com certeza ser confrontado muitas vezes durante a campanha?Hoje as pessoas já superaram isso. Desafio o primeiro homem de esquerda ou de direita a dizer que conseguiu implantar no seu concelho a doutrina do seu partido. O que interessa são as pessoas.Não pode esquecer que o concelho é sociologicamente socialista. O PS ganha quase sempre as eleições.Nós estamos num concelho sociologicamente em dificuldades, em desertificação. O PS ganha por uma lógica de alternativa cujos principais responsáveis foram o PSD e o PCP. Se o PSD e o PCP têm tido alternativas sérias e concretas não tínhamos chegado a este estado. Na minha candidatura há gente do Bloco de Esquerda até ao PP. A ideia matriz do projecto são as pessoas, resolver os problemas das pessoas.Mas é incontornável falar-se nos partidos. E o senhor coloca a fasquia demasiado alta ao dizer que até agora o PSD e a CDU não tiveram projectos à altura…O PSD e a CDU têm grandes quadros. E digo isto sem rebuço nenhum e até com grande admiração pela doutora Luísa Mesquita e pelo engenheiro José Andrade. O que esses partidos não conseguiram foi apresentar um projecto consistente em termos de adesão.Não teme que a sua candidatura passe a ser mais uma que não conseguiu passar essa mensagem, correndo o risco de ficar ligado a um projecto frustrado?Nós quando vamos para as eleições vamos de peito aberto. E sabendo que em eleições não há empates - há vitórias e derrotas. Eu creio que a vitória vai ser nossa, temos de ir pensando que vamos ganhar. Acredito piamente neste momento, até pelos sinais que temos, que vamos ganhar.Perder é um fiasco?Não, perder não é um fiasco. Ganhar a qualquer preço, pela perseguição, instalando o pânico, o temor, o terror, amea-çando, mentindo, fazendo esse tipo de procedimentos, que é o que tem sido feito pelos nossos adversários, é que é uma vergonha. Porque a luta democrática é uma luta de ideias, não é uma luta de pessoas.“Só me chama pára-quedista quem é ignorante”Tendo uma vida tão cheia, porque é que se vai expor publicamente numa luta destas sabendo que está sujeito a boatos, a insinuações…Falei com a minha família antes de me candidatar. Foi ela que decidiu a minha candidatura. Sentei-me com eles e disse-lhes que tinha um desafio que gostava de viver. Cheguei aos 52 anos e nunca na minha vida me predispus a liderar uma equipa que seja para os outros, para ajudar os outros. Tem sido sempre uma carreira feita em torno da família, dos nossos projectos pessoais. Preciso de ter este acto solidário para me sentir bem com a minha consciência. E esta é a linguagem difícil, hoje, de a opinião pública aceitar: falar de política e de solidariedade, de política e dos outros, falar de política sem ambição pessoal. Está preparado para que lhe chamem “pára-quedista”, por exemplo?Só me chama pára-quedista quem é ignorante. Porque Santarém, no ponto de degradação e de desertificação a que chegou, tem de perceber forçosamente que a única forma de se renovar e de se libertar desta modorra e desta preguiça que se instalou no poder é com um crescimento à custa de não naturais. Como vê esse tipo de discurso?Tenho muita honra de ser da minha terra e de viver em Santarém. Essa política xenófoba, racista, ultra reaccionária é de extrema-direita. É uma segregação dos não naturais. O Manuel Maria Carrilho não é de Lisboa… E porque é que há um apoio tão baboso ao Carrilho em Lisboa? Esse tipo de argumentário é de ignorantes.Estando Santarém num estado de degradação tão acentuado, como tem repetido tantas vezes, porque escolheu a cidade para viver?Vim para Santarém para estar solitário, para poder escrever. A minha vida é escrever…Mas para isso tinha muitas outras opções.Já vivi na Golegã durante muito tempo, por exemplo. Quando decidi escolher uma casa fora de Lisboa andei à procura. Escolhi Santarém numa altura em que estava com muito trabalho, e estou ainda. Está a meia-hora da minha faculdade, é uma cidade muito bonita e a degradação de que falo não é ao nível das pessoas, mas sim ao nível da gestão do concelho.Pode exemplificar?Dou três exemplos para se perceber se vale ou não a pena a gente saltar das nossas pantufas e virmos para a rua. Temos dez freguesias com taxas de envelhecimento acima dos 200 por cento. Temos apenas 60 por cento de saneamento básico feito. Somos dos concelhos com a taxa mais baixa de utilização da internet. E isto só acontece porque a política em vez de ter sido um acto de solidariedade transformou-se numa carreira para um grupo de rapazes que não quer largar o poder seja à custa do que for, mesmo que seja traindo o seu próprio partido e os seus camaradas. É por isso que estou aqui com muita alegria. As intrigas vão avançando com a campanha, mas não tenham dúvidas que não vim para ganhar a câmara e ir-me embora. Vim para ficar.Já circulou no correio ele -ctrónico uma cópia de um apontamento saído num semanário nacional onde se referia que já tinha sido candidato à assembleia municipal pelo PS em Mora, para se explorar a contradição de agora ser candidato apoiado pelo PSD. Isso é um exemplo do que vai ter de enfrentar até às eleições…Isso só prova o meu passado. Há quatro anos integrei as listas do João Soares à Câmara de Lisboa. Mas disse-lhe que não queria viver a vida política e, depois de ele insistir, aceitei o penúltimo lugar da lista. Já tive o privilégio de participar em iniciativas de todos os partidos. Já fiz conferências na Festa do Avante, na fundação do Bloco de Esquerda, em convenções do CDS, mas sempre com uma condição: ouvem o que eu quero dizer e não aquilo que querem que eu diga. A ideia que tenho é que em todos os partidos há propostas muito válidas e perversões, compadrios, coisas sem sentido nenhum.É mais fácil escrever uma obra de ficção ou redigir um programa eleitoral?Já li os programas eleitorais de há quatro e de há oito anos e os que vi são uma panóplia de mentiras, de promessas desonestas que não foram cumpridas.São também uma espécie de obras de ficção?São um cardápio de aldrabices para manipular o eleitorado. Isso é fácil de fazer. Agora o programa eleitoral que estou a preparar não é isso. Vou dizer às pessoas que vou para uma câmara arruinada, completamente desnorteada, que entrou num gastar de dinheiro de uma forma completamente desequilibrada. Um dia saberemos o que custou este ano de propaganda, de outdoors, de concertos, de investimentos em publicidade indirecta... Isto quando há crianças que não têm as refeições pagas, quando há juntas de freguesia sem subsídios pagos, quando há sociedades recreativas e culturais que há um ano não recebem um tostão. É mais um a dizer que a câmara está falida...Não vou ter a deselegância de dizer que a câmara está tecnicamente arruinada, mas vou dizer que vamos encontrar a câmara necessitando nos primeiros meses de saneamento financeiro. Porque há 4 milhões de contos de dívidas de curto prazo. Fora os milhões que estão escondidos por baixo da alcatifa.Tem prometido refeitórios para todas as escolas, fixar jovens no centro histórico, combater a desertificação. Onde pensa arranjar dinheiro para tudo isso?Há uma lógica que os homens que estão na câmara nunca conseguiram aproveitar, que é atrair investidores e criar parcerias público-privado. É evidente que a câmara aí não vê dinheiro, mas vê construção e obra feita. E é obra que é preciso fazer. Algumas obras são dramáticas. A renovação do centro histórico vinha inscrita no programa do engenheiro Rui Barreiro há quatro anos e nada foi feito. A carta educativa do concelho é um libelo acusatório contra a gestão desta câmara. Precisamos de mais escolas primárias…E como é que as vai construir?Através de parcerias público-privadas. Através de permutas, de alternativas como a atracção de empresas para aqui.As empresas têm como objectivo o lucro. Não vão dar nada sem receber em troca.Mas têm que dar permutas. Vão ser construídos 600 fogos na Romeira. O que representa em termos de final de obra 12 milhões de contos de actividade comercial. Só alguém que não tem consciência desse valor é que aceita como contrapartida um campo de futebol e meia dúzia de balneários. Se as permutas e as contrapartidas fossem bem negociadas…Acha que foi pouco?Muitíssimo pouco! Não se atreva ninguém a pedir-me para construir 600 fogos seja onde for e que depois das contas feitas não discuta contrapartidas da ordem dos dois milhões de contos. Tem de me fazer obra nesse valor, não é só campos de futebol. Não se consegue hoje governar uma câmara com as restrições orçamentais criadas pelo Governo, portanto é preciso criar alternativas. Outras câmaras têm-no feito, não estou a inventar nada. Esse tipo de discurso – mais escolas, combate à desertificação, atracção de empresas – é comum a todas as forças políticas. O difícil é aplicá-lo. Isso não é também uma espécie de discurso de ficção, neste caso mais para agarrar eleitores do que leitores?Não. Sou um homem que conhece praticamente o mundo inteiro. Conheço gente desde os Estados Unidos à China. Conheço gente de grandes grupos económicos interessados e atraídos por um discurso que os traz para Santarém e que já me manifestaram muitos deles essa intenção. Porque eu lhes transmito também essa confiança de que não estou aqui para me governar, que não estou aqui por causa de uma carreira política, que estou aqui para servir. Nunca esteve na política mas já parece um político a falar…Não, não. O discurso da política, na maior parte das vezes, é o discurso da hipocrisia, Dou um exemplo. Anunciei a minha candidatura elegendo a educação como a primeira das prioridades. Desde aí começámos a trabalhar na educação…O presidente da câmara também diz que a educação é uma das prioridades…Li a carta educativa do concelho no dia em que saiu. Estive a estudá-la até às seis da manhã. O senhor presidente da câmara nunca visitou e não lhe passará pela cabeça visitar a estrutura escolar do concelho. Nunca lhe passará porque ele não gosta dessas actividades. E no dia em que percebeu o nosso envolvimento vem ufano e galhardo dizer que a educação é a prioridade dele. Isto é que é hipocrisia política, tal como há quatro anos quando dizia que a prioridade era o centro histórico.
“Vim para ficar e ganhar”

Mais Notícias

    A carregar...