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Presuntos e termas dão fama à terra

Presuntos e termas dão fama à terra

Envendos, freguesia de Mação, situa-se na fronteira com outros distritos e luta contra a desertificação

A beleza natural é a maior riqueza da freguesia de Envendos, descoberta há milénios pelos povos que habitaram a península, a avaliar pelos vestígios arqueológicos achados em vários locais. As pinturas rupestres do Vale de Ocreza são apenas um exemplo.

Na tarde quente, pachorrentamente, “Fátima” puxa a carroça azul dos seus donos, João Ventura e Maria de Lurdes, na estrada de Ladeira para Venda Nova (duas aldeias da freguesia de Envendos - Mação). A burra branca é um dos poucos exemplares asininos que restam por aquelas bandas. Álvaro Cristo, secretário da junta de freguesia, com os seus 79 anos, a maior parte dos quais passados em Lisboa, lembra-se de quando era miúdo se juntarem os rebanhos e havia mais de 700 cabeças, burros, mulas e machos eram às dezenas.Desse tempo ficaram os vales abertos entre os penhascos das cercanias, por onde se espalha a freguesia de Envendos e as suas 19 aldeias, algumas delas com meia dúzia de habitantes. Em Rebique, a 700 metros da sede da freguesia, vivem apenas cinco pessoas e não é caso único. São pequenos povoados que ano após ano vão perdendo gente. Em 2004, só uma criança nasceu em todo a freguesia e houve mais de 30 mortes. O censos de 2001 registou 1.500 habitantes, mas quatro anos depois o número é consideravelmente inferior.Envendos era há décadas uma zona de gente ligada à terra, com nascentes a rebentar nas penhas de granito, ribeiras a serpentearem entre vales verdejantes e encostas revestidas de vegetação e floresta, sobretudo pinheiros, sobreiros e oliveiras. Rebanhos de cabras e ovelhas pastavam pelos montes. Em todos os pedaços aráveis crescia trigo e milho que as azenhas junto aos cursos de água transformavam em farinha. Dos moinhos restam as ruínas das paredes e as mós para trazem à lembrança o tempo das hortas viçosas, das vinhas logo acima e dos olivais já quase no topo.A água continua a rebentar nas nascentes, mas os fogos de 2003 dizimaram a floresta ainda jovem. Há 12 anos outro grande incêndio queimou tudo o que havia para queimar. Em alguns locais, a terra foi reflorestada com eucaliptos, mas por entre os pinheiros queimados começam a nascer novas árvores. “Se vier um fogo nos próximos anos vai ser a desgraça. Os pinheirinhos que nasceram não chegam à idade de dar pinhas e a reflorestação só se pode fazer com novas plantações”, comenta o presidente da junta António Alves, preocupado com a vegetação seca que cobre o solo: “Isto é pólvora”.No topo da serra da Zimbreira, a mais de 400 metros acima do nível do mar, onde se vê o dorso das águias reais, há um posto de vigia que cobre uma vasta área e que pode dar o primeiro alarme. Os estradões que cortam os montes são outra das medidas de prevenção e a própria junta de freguesia investiu numa carrinha 4x4 equipada com um kit de incêndios e um depósito para uma primeira intervenção. “Todos os fogos quando começam são pequenos. Estamos a 12 quilómetros da sede do concelho e o tempo que um carro dos bombeiros demora a chegar, mesmo não havendo nada que atrase, é o suficiente para as chamas alastrarem”, continua o autarca.Água é o que não falta nesta freguesia no limite do Ribatejo a fazer fronteira com a Beira Baixa e o Alentejo. Tem águas medicinais, aconselháveis para problemas de pele, aparelho digestivo e doenças reumatológicas que além dos tratamentos nas Termas da Ladeira são comercializadas com a marca de 7 Fontes. A água brota da rocha a cerca de 26 graus e por isso aquela é a serra das Águas Quentes. Mas na povoação da Ladeira a água que sai dos canos é barrenta. “É uma vergonha”, lamenta João Cordeiro que mais uma vez foi à bica, que corre noite e dia quer seja Verão ou Inverno, encher garrafões: “Com tanta água e em casa quando abrimos a torneira a água é acastanhada”. João Cordeiro e o filho não tecem considerações sobre a qualidade bactereológica da água, mas a coloração impede que seja utilizada na comida e muitas vezes acaba por danificar as máquinas de lavar e esquentadores. Do outro lado, na Zimbreira, as várias nascentes que alimentam a cascata do Pego da Rainha, um lugar paradisíaco, davam água para abastecer todo o concelho, afirmam.João Cordeiro e os filhos têm mais críticas para fazer. Saneamento básico só em Envendos e parte de São José das Matas, uma aldeia formada por 19 casalejos, cada um com o seu código postal: “Há trinta e tal códigos postais diferentes nesta freguesias”, afiança o tesoureiro da junta Manuel Rocha Gonçalves. Nos restantes povoados, os esgotos são canalizados para fossas particulares, na grande maioria dos casos rotas. A caminho de Vale de Junco, os tanques de decantação dos efluentes da fábrica de presuntos são outra dor de cabeça. Os populares queixam-se dos cheiros e dos mosquitos que as águas paradas provocam. Os presuntos continuam a ser uma das riquezas desta terra. Têm fama e o seu fabrico como actividade empresarial foi iniciado por um antecessor dos actuais donos, no início do século passado. “Dantes, ricos e pobres, não havia ninguém que não criasse o seu porco”, conta António Alves. Hoje a fábrica Damatta é uma das maio-res entidades empregadoras da freguesia, juntamente com as águas, as termas, as duas cooperativas agrícolas - a das Matas, em S. José das Matas, e Agrivendense, em Envendos - e a fábrica de conserva de azeitonas.Nesta terra, onde os nascimentos são cada vez mais raros, os idosos são apoiados pelo lar da Fundação Antero Gonçalves, um ilustre de Envendos que fez fortuna em África, e pelo Centro de Dia de São José das Matas. A esta assistência sobrepõe a ajuda dos vizinhos e familiares. Nas pequenas aldeias todos se conhecem e todos são primos.Margarida Trincão
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