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A palavra dura suscita a ira e as palavras mansas esmagam os ossos

Eleições autárquicas

Por maior que seja a fama ou a vaidade dos seus protagonistas, uma campanha eleitoral com a faca nos dentes, preocupada em “adjectivar” os adversários e “enriquecida” com a açorda das falsas promessas, dificilmente terá qualquer sucesso, tanto nos meios urbanos, como nas freguesias rurais.

Na vida pública e na acção política, sempre procurei seguir esta mensagem de Salomão: as palavras mansas esmagam os próprios ossos. Este provérbio vem a propósito das eleições autárquicas que se avizinham. Durante as respectivas campanhas eleitorais, ocorrem trocas de “mimos”, entre candidatos, cuja dureza ultrapassa, muitas vezes, as ilimitadas fronteiras do insulto que a “politiquice” consente.De acordo com a mensagem de Salomão, as campanhas mais duras tendem a ser menos eficazes, porquanto — passo a citar — “a resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira” (Livro dos Provérbios).Ora, uma campanha eleitoral deverá ser, fundamentalmente, um momento de paz, de reflexão e de debate, no âmbito da rica e inesgotável diversidade de perspectivas, de projectos e de políticas concretas de intervenção que cada candidatura gostaria de ver concretizados no seu município.Na edição de 28 de Abril, o semanário O Mirante refere que um candidato às próximas “Autárquicas”, durante a sua apresentação pública ao eleitorado, declarou o seguinte: “a cidade não é gerida por adultos, mas por crianças que criam problemas aos adultos”.Em minha opinião, ao começar deste modo a sua campanha, o candidato em causa dificilmente poderia ter sido menos feliz.Na realidade, ao atacar assim o seu adversário, que é o actual presidente da sua autarquia, deu-lhe de bandeja o grande trunfo da vitimização, colocando a campanha no terreno do ataque pessoal, em vez de se centrar no exclusivo domínio dos projectos e dos objectivos da sua candidatura.Entretanto, o Professor Manuel Maria Carrilho, em entrevista ao Expresso (edição de 18 de Junho) apelidou o Professor Carmona Rodrigues de “sonso e indigente”.Depois de seis campanhas autárquicas, em que participei directamente, considero ser uma regra de ouro ignorar os adversários, dando primazia aos eleitores e aos problemas que importa resolver em cada concelho.A meu ver, nos exemplos que atrás referi, os candidatos trabalharam exclusivamente para as campanhas dos seus adversários. Ninguém pode menosprezar, nem ofender o titular de um cargo ao qual se candidata — presidente ou vereador.Tiago, no Novo Testamento, ensina-nos que “todo o homem deve ser pronto para ouvir, tardio para falar e tardio para se irar”.Imaginemos, agora, que o discurso do candidato referido pelo semanário O Mirante tinha começado assim: “Quando for eleito presidente da Câmara, a minha primeira medida será homenagear o meu adversário, que é o presidente que eu irei substituir. Ele trabalhou e já representa o passado. Hoje é meu adversário. Amanhã será o meu antecessor. Eu represento o futuro, mas respeito o passado”. Estou certo de que o candidato seria recompensado pela sua mensagem de confiança, de respeito e de forte convicção na vitória.Em 1993, enquanto presidente distrital do PS de Santarém, acompanhei a coordenação das “Autárquicas” em 21 municípios, um trabalho notável de José Gameiro dos Santos. Os resultados foram, sem excepção, muito melhores nos casos em que os candidatos adoptaram uma filosofia política de tolerância e de respeito por todos, centrando a campanha no diálogo com os eleitores e no debate dos projectos políticos, sem o menor ataque pessoal a quem quer que fosse.Como em tudo na vida, não há melhor fonte de inspiração para uma campanha eleitoral do que o exemplo sublime de Jesus Cristo, anunciado por Isaías como o Príncipe da Paz. O Divino Mestre tinha muitos seguidores, mas só escolheu 12 apóstolos. De entre estes, chamou João, Pedro e Tiago para o seu “estado-maior”. Foram estes três apóstolos que O acompanharam no momento da transfiguração e que com Ele partilharam as horas mais decisivas.À escala humana, uma campanha eleitoral tem de ser entendida como um momento de grande elevação, à semelhança do que o Mestre nos ensinou. É necessário fazer as escolhas certas para cada “estado-maior”. Importa transmitir uma mensagem clara e séria, repetida por todos os candidatos — se cada um disser uma coisa sobre o mesmo problema poderá ser um desastre. Outro princípio essencial consiste em não atacar os adversários. A presença da equanimidade, mesmo nas situações mais embaraçosas, também poderá representar uma chave para o sucesso. Por fim, nunca devemos prometer aquilo que é impossível cumprir. Esta constitui, a meu ver, a regra mais importante de uma campanha que faça a sua profissão de fé no culto da ética e da palavra com Palavra!Post Scriptum — Por maior que seja a fama ou a vaidade dos seus protagonistas, uma campanha eleitoral com a faca nos dentes, preocupada em “adjectivar” os adversários e “enriquecida” com a açorda das falsas promessas, dificilmente terá qualquer sucesso, tanto nos meios urbanos, como nas freguesias rurais.Póvoa da Isenta (moinho de Vento), 25 de Junho de 2005 (aniversário natalício de Álvaro Siza Vieira).

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