uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

Anarquia escandalobitana

Miguel Noras

“Santarém acordará para banir, definitivamente, as linhas de “orientação” patrimonial que têm como amo o senhor camartelo da destruição”

Santarém poderia estar preparada para tudo. Para a anarquia que reina no Largo Cândido dos Reis é que não estava. A destruição provocada pela barbárie ali cometida, eliminando o monumento a Salgueiro Maia e o convívio que em seu redor havia, destruindo a nossa melhor calçada à portuguesa, com a simbologia ribatejana que ostentava, e matando as nossas típicas olaias, só encontra paralelo na loucura vandálica que precedeu a visita da rainha D. Maria II a Santarém, em Outubro de 1843. Nessa altura, um bando de destruidores mediu o “coche” da governante e avançou de camartelo em punho contra tudo o que impedisse a passagem da real berlinda até à Alcáçova.Mais de 160 anos depois, a “rotunda” da loucura, em curso no Largo Cândido dos Reis, leva-me, como escalabitano, a pedir desculpas a Portugal e ao mundo pelo crime que ali está a ser cometido: a destruição da envolvente da Capela Dourada que constitui, no entender dos grandes Mestres, um dos melhores e mais belos exemplares da arte total barroca existentes no domínio da Lusofonia. A Capela Dourada, fechada ao público, é uma pepita de ouro da História da Arte em Portugal, agora sem qualquer envolvência digna desse nome. Bastava que, entre tanta selvajaria, lhe tivessem poupado, ao menos, o seu espaço de respiração natural e aberto as portas aos peregrinos da Cultura.A sede da melhor irmandade da nossa terra, no tempo de D. João V, ficou reduzida à mera condição de espectadora dos múltiplos despistes automóveis que, tristemente, ocorrem no maior e mais abominável atentado rodoviário de Santarém.Choro por ti, Capela Dourada, e imploro-te que, na imensidão da tua riqueza histórica, manifestes aos autores desta loucura a heroicidade do teu coração: perdoa-lhes tamanha afronta. Eles não sabem o que fazem porque, afinal, nem sequer souberam ouvir quem conhece as entranhas do teu notável esplendor.Agora adormecida com tanta mágoa, Santarém acordará para banir, definitivamente, as linhas de “orientação” patrimonial que têm como amo o senhor camartelo da destruição da nossa terra, outrora “Princesa das nossas Vilas”, matriz das Viagens de Almeida Garrett e rainha das “peregrinações” de Alexandre Herculano.Post Scriptum1 – Alerta total e fé em DeusCaro Leitor, Querida Leitora,Quando entrar na “rotunda” da loucura, no Largo Cândido dos Reis, verifique se tem o seu seguro em dia e implore a protecção divina. Se não acreditar em Deus, conte até três e avance. Asseguro-lhe que há boas oficinas de chaparia em Santarém.2 – A minha candidaturaautárquicaLamento desapontar os meus (e)leitores. Decidi não me candidatar em Santarém. Inclusivamente, acabo de autorizar o PS do Douro a inscrever o meu nome nas suas listas, a título simbólico, em lugar não elegível, por exigência minha. Esta opção pelo norte de Portugal tem a ver com a asa do meu adoptivo orgulho duriense. Desde 1990, tenho ajudado a cuidar dos “jardins do património” do Douro, hoje já inscritos na lista da UNESCO, o que fez sacudir tristezas passadas e despertar a minha “jugulada vaidade”.Póvoa da Isenta (Moinho de Vento), 6 de Julho de 2005.*Consultor do Júri do Prémio Nacional de Arquitectura “Alexandre Herculano”.

Mais Notícias

    A carregar...