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Tu também?

Há dias, a minha cunhada disse-me:- Já há muito tempo que não escreves sobre um daqueles casos de homicídio sangrento.Na realidade, nem todos os assassinatos passam por muito derramamento de sangue.Por isso, só em parte vou satisfazer a Leonor.Irei precisamente referir-me a um parricídio sem qualquer sangue.Foi, efectivamente, a morte do pai do criminoso. Mas não era, propriamente, o progenitor. Era o pai adoptivo.Em criança, ele foi recolhido por aquele casal, que cuidou dele como se fosse seu filho.Ele fez-se homem e deixou a casa dos pais.Estava com dificuldades financeiras. Os pais não viviam mal e tinham até alguns bens.Era aquela a solução. Herdar tudo mais cedo do que esperava.Foi com um amigo a casa dos pais. Ali dirigiu-se ao quarto que fora seu e que ainda estava intacto. O seu amigo acompanhou-o. Cada um pegou numa almofada.Regressaram à sala, onde estavam os pais do assassino.O plano já estava delineado.O filho atirava-se ao pai e sufocava-o com a almofada.O amigo faria o mesmo com a senhora.O homem acabou mesmo por morrer.Mas o amigo não conseguiu suportar aquela sensação de estar a retirar o ar e causar o falecimento à senhora. Depois de colocar a almofada sobre a cara dela, perdeu as forças e desistiu.O filho queria, então, terminar o serviço. Preparava-se para fazer o mesmo que tinha feito com o pai.A mãe suplicou-lhe:- Não me mates. Eu dou-te tudo o que tu quiseres.Friamente, ele acedeu:- Nesse caso, eu poupo-a. Mas vai colocar todos os bens em meu nome.A senhora concordou de imediato. Como é óbvio.Ficou combinado que, no dia seguinte, iriam tratar de tudo.O problema era o cadáver.Mais uma vez, o filho tomou a liderança:- Mãe, telefone ao 112. Diga que o pai se sentiu mal e morreu.A senhora assim fez.A ambulância chegou pouco depois.Os maqueiros disseram que alguém teria de acompanhá-los ao hospital.Mãe e filho seguiram juntos.Uma vez no hospital, a mãe viu-se a sós com um médico. Pediu-lhe que a acudisse e contou toda a verdade.- Tu quoque, Brutus, fili mi? – perguntou Júlio César, o imperador romano, antes de morrer, assassinado com vinte e três punhaladas.“Tu também, Brutus, meu filho?” – foi a reacção de espanto, perante o facto de o seu filho adoptivo ser um dos que lhe armou a cilada.O parricídio é algo que merece uma elevada censura.Trata-se de um tema muito antigo.Na tragédia grega, ficou famosa a peça Édipo Rei.Mas, nesse caso, Édipo mata o pai, sem saber que ele era o seu progenitor.Ele tinha sido abandonado à nascença, precisamente porque o seu pai fora alertado por um oráculo que o bebé iria assassiná-lo um dia.A estratégia foi abandonar o recém nascido.Foi o pior que se poderia fazer. Em adulto, Édipo ignorava quem eram os seus ascendentes e acabou por cometer homicídio sobre o seu próprio pai. Depois, casou com a viúva, ignorando que contraía matrimónio com quem o trouxera ao mundo.Sigmund Freud, o médico criador da psicanálise concentrou grande atenção na fase infantil em que os meninos amam profundamente a mãe e desejam ver-se livres do pai. Podem vir a desenvolver um complexo perturbador.O psiquiatra buscou inspiração na peça de Sofócles e denominou o fenómeno de complexo de Édipo.O vocábulo parricida é bem conhecido. Facilmente se depreende que provém do latim pater ou pai, que veio a evoluir para parri.Mas repare-se na parte final da palavra. É exactamente a mesma que encontramos em insecticida. Cida significa matar. Infelizmente, veio a surgir um vocábulo, em língua portuguesa, que é homófono e que causa muitos desaparecimentos: sida.Quanto àquele que mata a mãe, a sua denominação parte de mater. É o matricida.* Juiz

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