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Ínclito Serafim das Neves

Os bons velhos tempos da dinamização cultural do MFA (Movimento das Forças Armadas) estão de volta. A onda de revivalismo revolucionário é da responsabilidade da câmara de Torres Novas. O local escolhido é um pavilhão desportivo inacabado a que foi atribuído, por decreto presidencial, o nome de palácio. Desligam-se as betoneiras e canta o Carlos Guilherme, o Pavarotti português. Na hora de descanso dos calceteiros dança-se a Lago dos Cisnes com orquestra ao vivo. Aproveita-se a presença das gruas para elevar a canção nacional pela voz do Carlos do Carmo. A seguir ao 25 de Abril de 1974 os artistas foram metidos em camiões da tropa e levados para trás do sol posto para que o povão pudesse provar o gostinho da cultura. Foi iglantónico como diria o escritor Dinis Machado. Rachmaninófico. A Orquestra Gulbenkian a actuar em palheiros. O elenco do S. Carlos a cantar ópera num curral. O Carlos Paredes a tocar num atrelado de um tractor com o som da guitarra amplificado pelo megafone das palavras de ordem. Quem pensou que esses gloriosos tempos não voltavam enganou-se. Eles estão aí em todo o seu esplendor. A única diferença é que agora as entradas são pagas.Fui alertado para esta fantástica iniciativa por uma notícia de O MIRANTE. Fiquei entusiasmado, como calculas. E desapontado também. Não fui a tempo de comprar um bilhetito para a terceira ou quartas filas para ver o Ballet da Moldávia a meio-corpo. Desta nem os melhores coreógrafos se lembravam. Pôr os espectadores a ver apenas as cabeças e braços dos bailarinos!! E aquela coisa de obrigar o público a espreitar pelo meio dos violinos e violoncelos da orquestra para conseguir ver os artistas??!! Foi arrebatador concerteza!! Quanto mais não seja porque a cada assistente foi arrebatada a módica quantia de 15 Euros da carteira.E a adrenalina??!! Como a sala não tem declive já viste o que é calhar-te uma família Xis Xis Éle na fila da frente? Não vês nada, pois claro. O estímulo que é seres obrigado a imaginar o que se passa no palco enquanto olhas para uma cabeça careca; para um penteado à dona Auzendinha e para uma mona juvenil a brilhar de gel!!! A organização dos espectáculos está de parabéns. Os espectadores têm que aprender que a arte exige sacrifícios. Não é só chegarem ali e refastelarem-se de qualquer maneira. E as arritmias que podem surgir quando se imagina uma multidão em pânico a correr para portas de segurança que podem não existir ou estar fechadas a cadeado??!! É que a câmara nem se deu ao trabalho de mandar vistoriar a sala.Vistoriar para quê?!!! Perguntarás tu. E eu tenho que te dar razão. Era uma perda de tempo. Primeiro porque a coisa perdia a graça toda, depois porque qualquer vistoria iria dar a sala como imprópria para espectáculos e isso já toda a gente sabia e finalmente porque a câmara nunca iria impedir-se a si própria de utilizar o pavilhão, perdão...o palácio dos desportos!!Serafim, como sabes eu sou contra o politicamente correcto. Irritam-me certos espíritos mesquinhos que nem umas cuecas conseguem vestir se não tiverem sido passadas a ferro. Adeptos fanáticos do exemplo e de outras coisas do género. Mas exemplos porquê para quê? O treinador do Cristiano Ronaldo tem que saber fintar como ele? O orientador técnico do José Azevedo tem que o conseguir vencer na etapa das Penhas da Saúde? O professor de canto da Teresa Salgueiro tem que saber cantar melhor que ela? Eu sou a favor do lema: “Faz o que eu digo, não faças o que eu faço”. Porque é que um médico que trata de cirroses não pode beber uns copos? Porque é que um pneumologista não pode fumar umas cigarradas? Alguém pode levar a mal que a câmara de Torres Novas multe quem abrir espaços públicos sem ter uma vistoria aprovada e depois se isente a si própria de tal obrigação??!! Alguém pode criticar a câmara de Santarém por ser tão exigente relativamente ao que é colocado no centro histórico da cidade e depois semear cartazes de plástico chungosos no paraíso do gótico??!!Um abraço eminentemente culturalManuel Serra d’Aire

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