
“O teatro é uma paixão platónica”
Carlos Oliveira, o “Chona”, vai ser homenageado sábado em Santarém
Nos quarenta anos de actividade foi actor, autor, produtor, encenador e ajudou a fundar vários grupos teatrais. Talvez por isso lhe tenham chamado “o semeador de teatros”. O popular “Chona” é homenageado sábado em Santarém.
Carlos Oliveira, 57 anos, nasceu para o teatro. E embala o destino e a vocação com o desvelo de um pai extremoso há décadas. À paixão devotou a sua vida. É ele quem o confessa: “Comigo, o Teatro passou de fascínio a paixão! A minha esposa diz que por vezes exagero e torno-me obcecado. Talvez tenha razão. Obcecado pela procura da perfeição do que acontece em palco. E já a procuro há 40 anos! O teatro é platónico”.Durante anos, o bancário agora aposentado mudava de farda depois do horário de trabalho e vestia a pele de actor, de encenador, de produtor. Mudava até de nome. Carlos Oliveira passava a ser o “Chona do teatro”. O nome de guerra por que é conhecido em Santarém e na região.Conciliar a irreverência natural do artista com a actividade bancária não foi difícil. “Fez-se com calma e nos tempos livres”. Afinal, estava habituado a representar. “Digamos que foi lamentável. Poderia ter servido melhor a comunidade através do teatro do que através de um banco que me atribuiu o número 3702. Trabalhei numa empresa que considera os seus empregados como números. Mas não tive alternativa porque era, e continua a ser, muito difícil viver apenas como artista no nosso País”.E é o “Chona do teatro” vai ser homenageado sábado, 30 de Julho, num almoço promovido pela Junta de Freguesia de São Nicolau, em Santarém, a realizar no restaurante do Centro Nacional de Exposições. Poucas homenagens serão tão consensuais. Não por simpatia pela figura frágil e sensível, que faz lembrar o actor e realizador norte-americano Woody Allen, mas pela sua dimensão humana e pelo seu amor à causa.Se a ligação de Carlos Oliveira ao teatro fosse traduzida para cinema, daria com certeza uma extensa longa-metragem. O interesse pelo teatro manifestou-se quando era estudante em Santarém, motivado pelas peças onde participou como actor - “A Farsa de Inês Pereira, de Gil Vicente, e O Mar, de Miguel Torga, ambas encenadas pela inesquecível professora Madalena Tavares, e representadas no palco do antigo Teatro Taborda, hoje Círculo Cultural Scalabitano”.Lembra-se perfeitamente da primeira vez que pisou um palco. “É uma experiência tão emotiva que não se esquece. É como fazermos sexo pela primeira vez. E, tal como numa relação sexual, ficamos inicialmente nervosos, o coração bate mais depressa, mas quando entramos em cena é uma questão de domínio mental e corporal, para se conseguir uma boa actuação”Depois continuou a participar nas récitas de finalistas dos vários estabelecimentos de ensino, o que ainda mais o entusiasmou. “O que mais me seduz é a possibilidade de concretizar a imaginação. Imagina-se uma cena, e no ensaio ela começa a ganhar forma, a concretizar-se à frente dos nossos olhos. Começa a aparecer como ‘real’ e acreditamos na fantasia. É algo de surpreendente e apaixonante”.A sua actividade e colaboração com grupos da região dava para fazer um currículo com algumas dezenas de páginas. Foi pai e mãe de muitos projectos. Incansável colaborador de outros. O Festival Internacional de Teatro para a Infância e Juventude (FITIJ) e a Bienal de Palhaços têm a sua marca.Há poucos anos apanhou um grande susto e viveu o maior drama da sua vida. Sem qualquer aviso ou ensaio, a morte chamou-o. Ele resistiu e disse-lhe não. Ainda era cedo. A doença quase o traiu, mas conseguiu continuar em cena. Hoje são os seus discípulos que pilotam esses eventos. Alguns jovens que também aprenderam a ganhar a paixão pelo teatro. Que estão na base da escada, como ele estava quando foi em busca de novos conhecimentos em países como Irlanda, Finlândia e Hungria, no âmbito do projecto “Teatro Internacional para Jovens”, que em 1978 teve como sede Santarém. Não se lembra de alguma vez ter ouvido uma pateada. E é sensível aos aplausos. “São para nós a prova que gostam do nosso trabalho e servem-nos de recompensa, de reconhecimento e de estímulo. Quando o teatro é feito com qualidade e o público se emociona, isso enche-nos a alma”. Qual o papel que mais gostou de interpretar? “Foi o papel higiénico por razões óbvias!”, responde com humor - “A brincar com graça como brincam os palhaços. Digo isto porque gosto muito de fazer de palhaço. Os palhaços representam um papel muito importante nos tempos que correm, onde o sofrimento e a tristeza se apoderam de nós diariamente. Fazem as nossas vidas mais felizes!”Como o teatro fez a sua vida. E que vai ter mais uma cena feliz quando a sua neta Inês vier ao mundo, em breve.João Calhaz

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