A escriturária dos acidentes
Cláudia sonhou ser jornalista mas acabou por deixar os estudos universitários para trás
Sonhou ser jornalista mas a necessidade de trabalhar trocou-lhe as voltas e “desviou-a” do ensino superior. Hoje Cláudia Guerra passa os dias de caneta na mão e rodeada de papéis mas em vez de escrever notícias, anota participações e faz croquis de acidentes.
Há três anos que Cláudia Guerra é escriturária numa empresa mediadora de seguros, em Tomar, cidade que a viu nascer há 26 anos. Gosta tanto do que fez que já deitou para trás das costas o sonho de ser jornalista.A necessidade de ganhar algum dinheiro trouxe-a para o mundo do trabalho muito cedo. Aos 16 anos começou a trabalhar em part-time em cafés, ao mesmo tempo que ia estudando. Não aguentou muito tempo a situação. Deixou o 12º ano incompleto, mas promete voltar aos estudos, desta vez em horário nocturno.Cansada de servir cafés, Cláudia decidiu concorrer a um anúncio que há três anos viu num jornal da cidade. “Não sabia para o que vinha, o anúncio pedia simplesmente uma empregada de escritório”, diz a jovem, com um sorriso nos lábios.A mediadora de seguros acabou por dar o emprego a Cláudia, que hoje não se arrepende de ter enviado o currículo.Como escriturária, Cláudia Guerra faz de tudo um pouco, desde o atendimento aos clientes, à gestão de sinistros, passando pelo arquivo e pela admissão de novos contratos.Não tem problemas em fazer qualquer coisa na empresa mas é na gestão de sinistros que se sente mais à vontade. A primeira coisa a fazer quando um cliente tem azar e sofre um acidente é preencher a declaração amigável, obrigatória. Para isso a escriturária tenta que o cliente lhe descreva o sinistro e faça um desenho sobre como o veículo bateu ou foi batido.“Envio os dados para a companhia do cliente, telefono mais tarde para marcar a peritagem e informo o cliente do processo”.Cláudia Guerra diz que há sinistros fáceis – são aqueles em que ambos os intervenientes estão de acordo quanto a quem foi o culpado. “Nesse caso, é só necessário marcar a peritagem e enviar o processo para arquivo”.Mas também os há bem difíceis. Como por exemplo quando um dos intervenientes não tem seguro. A escriturária diz já ter tido um caso desses, em que teve de fazer uma reclamação ao Fundo de Garantia Automóvel que, depois de mandar um perito ao local do acidente, acabou por não ser resolvido como o cliente de Cláudia pretendia. “Cada acidentado acabou por ter de pagar os seus danos”.“Felizmente”, como diz a escriturária, nunca teve de tratar de grandes acidentes, que envolvessem mortos e feridos. “Até agora tem sido quase só chapa batida”.Gosta do contacto com o público mas admite que há clientes que abusam, porque não entendem que uma mediadora de seguros é apenas e só um intermediário entre uma companhia de seguros e o consumidor final.Há pessoas que pensam que somos nós a tomar certo tipo de decisões e atiram-nos a culpa, quando estamos aqui apenas para as ajudar a tentar resolver da melhor maneira e de forma mais célere o seu problema”.O “bom” cliente é aquele que entende o papel da mediadora, que expõe o seu caso e lhe dá tempo para o analisar e obter um resultado.A maioria dos clientes da empresa são no entanto considerados já amigos. E até há os que entram ali para perguntar sobre o andamento do seu processo e vão ficando à conversa, sem darem pelo passar das horas. Cláudia Guerra trabalha com nove seguradoras. Com algumas é fácil trabalhar. Com outras é mais complicado. “Há certas companhias que têm uma máquina operacional demasiado pesada, demoram mais tempo a fazer-nos uma simulação, por exemplo”. Nesse caso, costuma vencer a persistência de Cláudia, que não se cansa de telefonar para saber do andamento deste ou daquele processo. Às vezes todos os dias.A mediação de um sinistro não tem prazos pré-estabelecidos. Tanto pode demorar uma semana, quando os dois intervenientes estão de acordo, como vários meses. E até anos.O problema é quando o segurado não concorda com a decisão da seguradora. Como o caso de um cliente de Cláudia, cujo processo já tem quase um ano. “Houve perda total do automóvel e o segurado não concorda com o valor estipulado pela seguradora”.Até a seguradora não dar o veredicto o cliente tem acesso a um automóvel de substituição, benesse que acaba assim que o processo for dado por concluído.Até hoje, Cláudia só teve um acidente de automóvel, quando bateu com o carro do pai. Desde que comprou carro e fez seguro na empresa onde trabalha Cláudia admite que é mais cautelosa ao volante. “Quando todos os dias nos confrontamos com acidentes acabamos por tomar consciência do risco que corremos todos os dias na estrada”.Margarida Cabeleira
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