uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

Do Povo que somos, ao Estado que merecemos

Em suma, somos um povo que enfrenta os desafios do século XXI, apetrechado com valores e princípios éticos do século XIX e uma relação de desconfiança com as instituições estatais, própria do século XII ! E, afinal, se o Estado não é a tal “pessoa de bem”, a razão primeva está em todos nós!

As calendas da contemporaniedade, que os inícios de novecentos consubstanciavam, permitiam encontrar ainda, num país à altura predominantemente rural, um corpo de valores éticos e morais, sustentados pela tradição, de contornos comunitários evidentes e uma conexão funcional com as empíricas e autonômicas vivências locais, na afirmação de um espaço geo-fisico, visto como “axis mundus” de um cosmos em grande parte estranho e, portanto, pouco fiável.O generalizar do estilo de vida urbano veio alterar, radicalmente, este estado de coisas. Persistiram, contudo, nas nossas atitudes e comportamentos, reminescências de formas tradicionais de entender o mundo que, entre outras coisas, moldam a maneira como encaramos a sociedade actual e, nesta, como nos relacionamos com as nossas instituições. A desconfiança ancestral face aos mais diversos níveis e organismos de poder, ainda hoje se mantém numa dimensão superior àquilo que seria desejável e, convenhamos, àquilo que seria admissível face a mais de três décadas de aprendizagem de cidadania.Isso é naturalmente visível no inquérito desenvolvido por “O MIRANTE”. Naturalidade preocupante, se se pretende, é claro, construir neste país um corpo nacional de valores de modernidade, entre indivíduos e instituições, entre Nação e Estado.Frequentemente acusamos o Estado de corrupto. Tribunais, municípios, polícia, gestores e departamentos públicos mais variados. Sem nos apercebermos que, em última instância, o Estado somos nós! E que os nossos representantes aí (aqueles a quem nos queremos referir quando falamos de Estado) são, de uma forma ou de outra, a emanação do povo que somos! Na verdade, as práticas de “compadrio”, por exemplo, eram elementos marcantes na sociedade tradicional portuguesa, onde constituíam mecanismos funcionais intrínsecos às relações de cooperação social e muitas vezes de parentesco. Não eram ilegítimas, nem sequer criticáveis, muito pelo contrário. Pela dimensão social que abrangiam, pelos escassos e localizados interesses envolvidos, eram, aliás, irrisórias.Contudo faziam parte integrante da nossa cultura! Fazem ainda hoje parte da nossa cultura! E a sua aplicação, fora de tempo, reveste-se, agora, de consequências bem mais graves!Perpetua, por exemplo, uma prática social de clientelismo que perpassa, hoje, transversalmente toda a sociedade: ilegítima, ilegal muitas vezes e, principalmente, subversora dos princípios de igualdade de oportunidades e da afirmação dos mais capazes, indispensáveis à nossa afirmação num mercado global e concorrencial.Portanto, como povo, somos de alguma forma responsáveis pela perpetuação das tais práticas e valores, hoje inadequados a uma sociedade que se quer moderna e democrática. Contudo, como Estado, somos bem mais responsáveis ainda. Responsáveis, por exemplo, por continuar a tratar os portugueses como se de um apêndice europeísta se tratassem. Por fazermos tábua-rasa das nossas especificidades culturais. Por gerarmos leis que, pela sua inaplicabilidade são, na prática, um incentivo à transgressão. Por sustentar políticos, com os quais existe um substancial divórcio de credibilidade. Por manter tribunais, que não decidem em tempo útil, esvaziando, portanto, a eficácia da sua acção. Por nos endividarmos nas câmaras municipais, alegre e irresponsavelmente. Por possuirmos forças policiais que, sancionam ou não, conforme a disposição de momento e os interesses em presença. Por criar sucessivamente “comissões de inquérito”, de que ninguém vislumbra, depois, qualquer conclusão e, muito menos, condenação.Finalmente, por gastar-mos demasiado, sustentando uma classe política desmesurada para a dimensão do país. Por mantermos instituições fantasmas, de funcionalidades e competências sobrepostas ou praticamente inexistentes, a custos globalmente incomportáveis.Em suma, somos um povo que enfrenta os desafios do século XXI, apetrechado com valores e princípios éticos do século XIX e uma relação de desconfiança com as instituições estatais, própria do século XII !E, afinal, se o Estado não é a tal “pessoa de bem”, a razão primeva está em todos nós!Somos nós, enquanto so-ciedade, que abandonando valores seculares que configuravam tradicionalmente “uma pessoa de bem”, os não substituímos, ainda, por outros equivalentes e mais adequados aos tempos em que vivemos!Se o tivéssemos feito, te-ríamos há muito penalizado os Valentins Loureiros e as Fátimas Felgueiras deste país e, deste modo, contribuído decididamente para a credibilização da vida pública!Na verdade, não erraremos muito se dissermos que, uma parte considerável do negativismo da nossa apreciação do papel do Estado (e das pessoas que o representam), não decorre tanto da natureza ética ou moral daquilo que fazem, mas, simplesmente, do facto de... o poderem fazer e.... nós não! Pois é.....

Mais Notícias

    A carregar...