Estado tem as costas largas
Figuras públicas comentam inquérito de O MIRANTE on line
O Estado gasta muito e faz pouco. Os políticos prometem e não cumprem. Os cidadãos tendem a culpar a administração pública por tudo o que de mau acontece no país, esquecendo-se das suas responsabilidades. Daí não surpreender que a esmagadora maioria dos votantes no inquérito semanal de O MIRANTE on line tenha achado que o Estado não é uma pessoa de bem.
O Estado é uma pessoa de bem? A esmagadora maioria leitores (quase 98%) dos que votaram no inquérito do site de O MIRANTE colocado on line há duas semanas entende que não. Embora o universo de votantes se restrinja a cerca de meia centena, seria tapar o sol com uma peneira não acreditar que é assim que pensa a maioria dos portugueses.“Essa votação não é de estranhar, embora seja de lamentar” diz Joaquim Botas Castanho. Sociólogo de formação, ex-vereador da Câmara de Santarém e com experiência na administração da coisa pública, diz que não é surpreendente “porque há a ideia enraizada que o Estado é responsável por tudo”.Um quadro para que, na sua óptica, muito contribuem os comentadores e analistas e ainda as forças que estão na oposição, “quando há também muita falta de civismo das pessoas” e uma desresponsabilização latente. Os incêndios e os acidentes de viação são exemplos disso, destaca – “quando efectivamente a responsabilidade real reside em cada um de nós”.E aponta também o dedo aos quadros intermédios da administração pública, seja em escolas, hospitais ou noutros sectores, que por vezes não assumem as suas responsabilidades – “porque é mais cómodo” – preferindo atirar as culpas para a administração central.Daí essa resposta que considera “exagerada”. Para Botas Castanho há muita gente e muita coisa boa na administração pública. “As pessoas reivindicam tudo do Estado, mas deviam fazer uma introspecção e ver qual é, ou deveria ser, o seu contributo para com a sociedade”, conclui.Uma opinião que encaixa na perfeição na posição do governador civil de Santarém. Paulo Fonseca acha que é tempo de as pessoas não se preocuparem só com o que o Estado pode fazer por elas, mas também com o que elas podem fazer pelo Estado.“É preciso que o Estado se modernize e preste serviços que correspondam às expectativas das pessoas. Mas tem de haver também uma atitude pedagógica para que as pessoas não vejam no Estado a árvore das patacas para resolver todos os problemas, inclusivamente os que elas criam”.Como exemplo, Paulo Fonseca recorre aos incêndios florestais que recentemente assolaram a região. “As pessoas não limpam as matas e depois querem que os bombeiros apaguem os fogos em cinco minutos”.A presidente da Câmara de Vila Franca de Xira reconhece que há algum desencanto dos portugueses e nota que quando se critica o Estado as baterias podem estar apontadas à administração pública ou à classe política. Em ambos casos acha que pode haver razões para críticas, mas diz também que não são valorizados os aspectos positivos. Nesse capítulo aponta o dedo à comunicação social, “porque geralmente o que é notícia é o que é menos bom”.Maria da Luz Rosinha recorda que há muitos autarcas – “começando pelos das juntas de freguesia” – que fazem das tripas coração para levarem a bom porto a sua missão. Embora reconheça que se vive uma “crise de princípios e valores” e que os políticos, como cidadãos mais expostos, “são mais visados pela opinião pública”. Na sua opinião, é importante que a sociedade “faça uma avaliação de si própria e os políticos do seu desempenho” para que esse sentimento crítico se atenue.O deputado do PSD Miguel Relvas não ficou nada surpreendido com o resultado do inquérito no site de O MIRANTE, embora afine por outro diapasão. “O cidadão comum paga impostos e consequentemente tem um grande grau de exigência face ao Estado. E o Estado muitas vezes não honra os seus compromissos com os cidadãos e com as empresas”.Como exemplo cita as dívidas das autarquias a fornecedores, sublinhando que há “um longo caminho a percorrer” até que os cidadãos passem a ter uma imagem menos crítica da administração pública. “Só se altera a situação com maior rigor. O problema é que muitas vezes o Estado quer viver acima dos seus orçamentos em lugar de os adequar à sua realidade”, diz o também presidente da Assembleia Municipal de Tomar.Miguel Relvas não descura as responsabilidades dos políticos nesta má imagem que a população tem do Estado. “Acredito que a prática política também tem influência, porque, enquanto decisores, compete aos políticos exercer essa prática de rigor e de responsabilidade”.Quem também aponta o dedo à classe política como contribuinte decisiva para a má imagem do Estado é Valdemar Henriques. O coordenador da União dos Sindicatos de Santarém e dirigente do PCP considera que “nos últimos trinta anos, para não ir mais longe, os partidos que têm estado no poder prometem coisas e depois fazem o contrário”. E o Estado, enquanto entidade abstracta, é que paga.Mas, acrescenta, “culpar o Estado de uma forma genérica é exagerado e é curto”. Para ele, os cidadãos tendem a não assumir as suas responsabilidades e procuram no Estado o bode expiatório para todos os males. “Essa votação também pode ser vista como uma auto-crítica e como uma sacudidela de água do capote de quem também ajudou à formação dos sucessivos governos”. Para que as coisas mudem, o sindicalista de Alcanena diz que é necessário haver mais participação cívica dos cidadãos em vez de fugirem às suas responsabilidades sempre que o Governo governa mal. “Se continuarmos a pensar assim, não vamos a lado nenhum”, conclui. João Calhaz
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