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“O público que vá para o diabo!”

“O eleitorado, usando a sua ampla sabedoria, sabe distinguir a palavra que vem do coração, que é sincera, da palavra dos “encantadores de serpentes”. Estes andam de “mercado em mercado”, propalando as mensagens escolhidas pelo respectivo staff”

O título até parece uma provocação. Mas, paradoxalmente, esta frase (aqui citada!) esteve na origem das “Relações Públicas” no mundo.Com efeito, em 1873, nos Estados Unidos, o multimilionário William Vanderbilt suspendeu o funcionamento de uma das suas ferrovias, alegando que o respectivo troço deixara de proporcionar qualquer lucro às suas empresas de transportes. Ao tomar esta decisão, Vanderbilt prejudicou gravemente a comunidade até então servida pelo ramal ferro-viário do Estado de Nova Iorque. Para piorar as coisas, fê-lo sem qualquer aviso prévio. Os transtornos provocados ao público foram enormes e a indignação dos utentes atingiu, como é fácil de admitir, proporções gigantescas.Nem o encerramento da linha férrea em causa, nem os transtornos que esta medida provocou escaparam à atenção dos órgãos noticiosos da época.Um jornalista do Time arrancou, a grande custo, a única entrevista concedida pelo milionário Vanderbilt. Este explicou que o encerramento do ramal ferroviário foi determinado por razões económicas. Em seu entender, ninguém poderia obrigá-lo a manter uma exploração que acarretava prejuízos para as suas empresas. O jornalista insistiu: — Então e as pessoas que dependiam desse meio de transporte para chegar aos empregos e às suas casas? O magnata William Vanderbilt respondeu metalicamente: — Estou-me nas tintas para as pessoas. O público que vá para o diabo! Esta resposta fez manchete no Time. Diferentes órgãos da comunicação social multiplicaram a tirada do milionário norte-americano. A contestação a Vanderbilt estendeu-se a todo o país. Verificou-se um afastamento em massa dos passageiros, nas restantes linhas ferroviárias que, até então, o magnata explorava com grande sucesso económico. A onda de solidariedade para com o público atingido com a medida de Vanderbilt culminou com a situação de “pré-falência” das suas empresas.Perante o colapso, William Vanderbilt viu-se forçado a recorrer a Ive Lee (introdutor do moderno conceito de “Relações Públicas”), na esperança de recuperar o seu prestígio empresarial e a sua imagem, junto da comunidade americana.Como é óbvio, o trabalho de Ive Lee, pioneiro das “Relações Públicas” no mundo, foi árduo, demorado e extremamente complexo. Não existem técnicas que permitam resultados imediatos, após tamanhas catástrofes. O colapso empresarial sofrido, graças a uma resposta economicista e “incendiária”, obrigou a longos meses de trabalho, no domínio das “Relações Públicas”. Todavia, os mecanismos usados por Ive Lee levaram a que, um ano após o incidente, Vanderbilt recuperasse grande parte da aceitação de que gozava, antes de proferir a frase “quase fatal”.Vanderbilt esteve-se nas tintas para os clientes. Ao contrário deste magnata, Lee demonstrou que as ferramentas do sucesso assentam na informação e no esclarecimento das medidas tomadas por cada empresa. Ser informado é um direito do cidadão, do cliente e, também, do eleitor. Segundo Ive Lee, a informação deve ser prestada, na devida altura, com respeito pelos destinatários e pela veracidade dos conteúdos.Esta história leva-me a pensar nas mensagens políticas, em tempos eleitorais. Quantas vezes, os candidatos não repetem, em off, as tiradas de Vanderbilt? Ora, a autenticidade é essencial na comunicação política. Por maior que seja o prestígio ou o poder dos respectivos candidatos, uma campanha de “dentes afiados”, temperada com falsas promessas, não pode aspirar a ter sucesso eleitoral, nem na cidade, nem nos meios rurais de um concelho.O eleitorado, usando a sua ampla sabedoria, sabe distinguir a palavra que vem do coração, que é sincera, da palavra dos “encantadores de serpentes”. Estes andam de “mercado em mercado”, propalando as mensagens escolhidas pelo respectivo staff. Trata-se de frases genéricas, chavões sem consistência, incapazes sequer de servir para vender tabaco a crédito.Se não for enaltecido, o dom de comunicar (que é uma dádiva de Deus) perderá a grandeza de alma, ficando frágil e, até mesmo, vil e hipócrita. Na sua primeira carta aos Coríntios, São Paulo lembra-nos do seguinte: “Ainda que eu falasse as línguas dos anjos e dos homens e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine!”. É isso mesmo: um “encantador de serpentes”, que anda de “praça em praça”, soa a metal — só ama verdadeiramente uma terra quem a conhece, seja Ourém, Vila Franca de Xira ou Santiago de Compostela!24 de Agosto de 2005

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