Quero falar-te de uma injustiça. De uma grave injustiça. A Feira dos Frutos Secos em Torres Novas já vai na vigésima edição e o seu esforço em defesa do figo preto não é reconhecido por ninguém. Não é premiado. Não é exaltado. Nem o Nobel da Agricultura, nem a Grã-Cruz da lavoura, nem uma estátua numa rotunda, nem a medalha do concelho, nem uma moção de louvor aprovada numa qualquer Assembleia de Freguesia. Nada!É verdade que o figo preto está praticamente extinto. Que a área de figueiral foi reduzida em quase noventa por cento. Mas isso que importa? Como tu sabes não são os resultados que contam. É a tenacidade. O estoicismo. A persistência. Portugal é o país das vitórias morais. A organização da Feira dos Frutos Secos já provou que tem todas as qualidades intrínsecas dos predestinados. O esforço deste punhado de heróis não merece ser recompensado? O planeta também está cada vez mais poluído e isso não impede que os ambientalistas sejam elogiados e agraciados. A fome mundial é cada vez maior apesar dos apelos do vocalista do U2 e não é por isso que o Bono deixa de almoçar com os governantes dos países mais ricos do mundo. Ainda há tempos foi condecorado pelo nosso Jorge Sampaio. Com direito a entrar no Palácio de Belém de chapéu à cóboi e tudo. E os defensores do figo preto? Não têm direito a uma entrada, nem que seja pela porta dos fundos da câmara municipal, de boina na cabeça para receberem uma medalhita comemorativa? Ano após ano, feira após feira, sempre a baterem no mesmo. Vamos salvar o figo preto. Vamos promover o figo preto. Vamos levar à glória o figo preto. Vamos recuperar o figueiral. Discursos inflamados. Optimismos erguidos ao sol de cada Outono. Bandeiras de sucesso desfraldadas ao cair da folha. O figo preto a desaparecer. O figueiral a diminuir a olhos vistos e nada fez calar os clamores. Que imarcescível vigor!!! Que iglantónica cruzada!!! Que fabulástico exemplo para esta deprimida Nação!!!! Estou a escrever-te e até as teclas saltam tal é a força que os do figo preto me conseguiram incutir ao longo de vinte anos de discursos.Deves estranhar eu ainda não ter escrito uma palavra sobre as eleições, esse tema incontornável. Pois bem, aqui vai ela. Aleluia! E atrás dela vão muitas mais. Finalmente vamos ter algum sossego. Não é por muito tempo eu sei, porque o Cavaco já anunciou que vai desfazer o tabu, mas nem que seja por uma semanita ou duas já é muito bom. O nível de disparates vai descer acentuadamente. A poluição sonora também. A poluição visual idem aspas, aspas, aspas. Obrigado. Obrigadinho. Obrigaducho. É evidente que agora ainda temos que suportar as réplicas durante uns diazitos, mas como em qualquer terramoto as réplicas já não têm o mesmo impacto. Uma alarvidade aqui, uma bacorada mais além, uma aziazita…enfim, nada que não se possa ignorar.Vamos ter de volta aos noti-ciários as coisas boas da vida. O desfile da Fátima Lopes que deixou Paris de cara à banda. As manifestações da tropa. As peripécias dos bravos da companhia. As perseguições de rua feitas por jornaleiros aos advogados do processo Casa Pia. Os esforços do Governo para transformar os juí-zes em sem-abrigo. O sucesso de uma nova fadista no festival world music do Burkina Faso. As guerrinhas do futebol. O furacão que poderá colocar, finalmente, Portugal ao nível dos países mais desenvolvidos. Aproveita Serafim. Aproveita este sossego porque, como dizia o poeta, atrás dos tempos vêm tempos e outros tempos de disparates políticos hão-de vir. Um abraço ciclónico.Manuel Serra d’Aire