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Uma vida no corte e costura

Hermínia Gaspar é costureira em Tomar

A casa passa quase despercebida a quem circula na rua de São João, em pleno centro histórico de Tomar. Lá de dentro vem um som ténue mas constante. É a máquina de costura de Hermínia Gaspar, que passa o dia no corte e cose. Nome que a costureira deu ao seu estabelecimento.

Nasceu há 42 anos em Tomar e andou na escola até completar o 10º ano. Numa altura em que todos os jovens sonham com uma profissão futura, Hermínia Gaspar achava que tinha jeito para ser enfermeira. Hoje diz que teria sido uma escolha errada.O destino levou-a a enveredar por outros caminhos. Em vez dos livros técnicos sobre anatomia humana, Hermínia foi aprender corte e costura com uma costureira da cidade.Casou cedo e o nascimento do primeiro filho fez com que pusesse de parte a ida para a universidade. Foi mãe e dona de casa a tempo inteiro até o filho completar quatro anos. Nessa altura decidiu arranjar uma ocupação.Inscreveu-se no Centro de Emprego de Tomar e foi logo seleccionada para trabalhar com uma loja de pronto-a-vestir. Ficou incumbida de fazer pequenos arranjos à roupa adquirida pelas clientes do estabelecimento.Fazer arranjos – subir bainhas, remendar, apertar ou alargar – é o que a costureira mais gosta de fazer. Mais do que agarrar num tecido e fazer uma saia ou umas calças. “Fazer arranjos é transformar o velho em novo, dar uma nova vida à peça”, diz.Muitos clientes procuram os serviços de Hermínia exactamente com o mesmo espírito da costureira – o de transformar uma peça já antiga em algo mais moderno. O de remendar algo já gasto pelo tempo mas do qual não se querem ainda desfazer. Porque se sentem bem com aquela peça.As calças de ganga são um bom exemplo. Às vezes Hermínia Gaspar recebe das clientes sacos cheios de calças para remendar. São essencialmente jovens que a procuram para este tipo de trabalho. “Gostam das calças mas já não conseguem andar com elas na rua, porque estão demasiado rotas”. Apesar de agora ser moda.Diz que o negócio não é dos mais rentáveis, mas vai dando para manter a casa aberta. Mais do que o mini-mercado que abriu em Carvalho de Figueiredo, onde mora, quando deixou de trabalhar para o pronto-a-vestir.Nos primeiros anos correu bem mas depois veio o surto deste tipo de estabelecimentos e a concorrência acabou por ser fatal. Hermínia Gaspar teve de fechar para não perder dinheiro.Foi nessa altura que ponderou abrir algo ligado à costura, o que realmente gostava de fazer. “Nunca tive grande jeito para andar a pedir emprego e como tinha aqui esta casita decidi avançar para o negócio”.O marido, que trabalha na construção civil, recuperou o imóvel e Hermínia Gaspar abriu a Corte e Cose em 2000. Na bagagem trazia já uma boa carteira de clientes, aqueles que sempre a procuraram para fazer pequenos trabalhos, mesmo quando não se dedicava a cem por cento à actividade.Apesar disso diz nunca ter esperado tão boa aceitação do público. Tem clientes de todas as idades e extractos sociais. A grande maioria é no entanto mulheres até aos 40 anos.“As mais velhas estão habituadas a fazer este tipo de arranjos, antigamente aprendia-se costura”, diz à laia de justificação. Quem aparece cada vez mais são jovens, para fazer bainhas ou remendos em calças de ganga.Apesar de gostar de transformar o velho em novo a costureira sabe que há peças para as quais não há volta a dar, por muito que se tente. Há casos em que basta apenas um olhar para se aperceber desse facto. Entre elas estão os casacos. “Ainda ontem veio aqui uma moça para lhe apertar um blazer nos ombros e tive de lhe dizer que não fazia o trabalho. Porque sei que não iria ficar em condições e prefiro nem mexer e estragar”.Também há tecidos mais difíceis de trabalhar que outros. As sedas e as organzas, por exemplo, são uma dor de cabeça. Pelo contrário, os algodões, quanto mais rústicos melhor, são os mais fáceis. “Nem que o algodão seja rijo e custe a entrar na máquina”.Hermínia diz que em alguns casos o trabalho não paga o tempo e o esforço despendido com uma peça. “Às vezes o tecido está muito roto e tenho de trabalhar com muita paciência para não estragar ainda mais”. Mas diz que se pedisse o dinheiro equivalente ao trabalho que teve e ao tempo que perdeu com uma peça nunca mais tinha a cliente de volta. “As pessoas muitas vezes não têm a noção do trabalho que dão certas peças e eu prefiro perder uns tostões a perder a cliente”. Umas bainhas podem demorar apenas uns minutos a fazer ou quase uma hora, dependendo do estado em que se encontrem as calças. Mas o preço final é sempre o mesmo, três euros e cinquenta cêntimos.A venda de produtos de retrosaria – botões, fechos, linhas e afins – ajudam a compensar as perdas na costura. Apesar de também aqui haver muita concorrência.Ao contrário do que se pode pensar Hermínia diz que ser costureira não é uma profissão em vias de extinção. “Nos dias que correm, cada vez mais as pessoas preferem arranjar uma peça antiga a comprar uma nova”.Margarida Cabeleira

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