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Medos Privados, Públicos Interesses

Aurélio Lopes

Parece assim, de alguma forma evidente, que se verificaram diversos casos em que os eleitores optaram por não revelar o seu verdadeiro sentido de voto!

Excepção num distrito caracterizado pelo reforço da continuidade, Santarém assistiu, algo surpreendida, à vitória do candidato do PSD, o independente Moita Flores, após 30 anos de gestão socialista.Contrariando as últimas sondagens (inclusive as efectuadas à boca das urnas), os resultados acabaram por penalizar o socialista Rui Barreiro, um homem que, curiosamente, após um início de mandato algo conturbado, tinha vindo a apresentar na recta final uma inesperada dinâmica apoiada numa panóplia de obras considerável.Porquê?Como é que um presidente em exercício (e sabe-se como o poder autárquico, desde que bem gerido, fortalece) num concelho desde sempre socialista, em que a correlação de forças lhe é estruturalmente favorável (e a que apenas as fratricidas lutas internas de há quatro anos tinham conduzido à perda da maioria absoluta), acabou, contra todas as previsões, por deixar fugir por entre os dedos, à última da hora, um poder tão afanosamente conquistado?!Candidato mediático (mesmo que pára-quedista), virgem de anti-corpos políticos e assumindo ostensivamente a autonomia da sua candidatura, Moita Flores desde cedo definiu como factor sedutor do eleitorado escalabitano, uma clara opção dialogante, aliada a uma postura algo modesta e motivante, de empatia fácil e imediata. Contudo, apesar do “tufão Flores”, o Presidente Barreiro parecia ter conseguido, ultimamente, erguer uma barreira eficaz, e ter agora a situação controlada, para sossego das hostes socialistas.Sossego que se reforçou na noite fatídica, com as “sondagens à boca das urnas” afinando todas pelo mesmo diapasão; a manutenção mesmo que “in extremis” da situação vigente.Porquê então, perguntar-se-á, o resultado final fintou, desta vez, os sucessivos mecanismos de previsão!Parece assim, de alguma forma evidente, que se verificaram diversos casos em que os eleitores optaram por não revelar o seu verdadeiro sentido de voto!Terá sido por considerarem tal assunção pública como pouco conveniente?!Como em Leiria, por exemplo, em que se verificou um fenómeno idêntico com o voto numa candidata suspeita de corrupção? Ou como acontece nas eleições legislativas, em que certas franjas do eleitorado não assumem, nas sondagens, que pretendem votar CDU?Mas, então, e aqui? Porquê uma parte significativa do eleitorado de Santarém não reflectiu igualmente, nas ditas sondagens, as suas verdadeiras intenções de voto?!!Tiveram vergonha? Esqueceram-se em quem tinham votado? Ter-se-á tratado de uma tenebrosa cabala para apanhar os socialistas distraídos?Não me parece! Parece mais que tais pessoas, pura e simplesmente, temeram assumir publicamente o seu sentido de voto! E se não se está a ver o Eng. Rui Barreiro (apesar de epíteto de “Átila de Suspensórios”) a ameaçar os “traidores” com as “chamas do inferno”, isso não obsta a que, em três décadas de interrupto poder autárquico (seja ele de que cor for), se não vão criando, gradualmente, todo um conjunto de círculos mais ou menos concêntricos (ou intercruzados) de áreas de influência, de dependência, de clientelismo em suma!Clientelismo que, de uma forma ou doutra, abrange um insuspeitável número de pessoas e instituições e constitui, como se sabe, um dos mais importantes factores de resistência à mudança, nas administrações autárquicas. E se, por qualquer singularidade, as mesmas decidem mudar de sentido de voto, revelam sempre um inusitado, mas compreensível, secretismo.Curiosamente, enquanto candidato, Moita Flores, irá denunciar o que considerou ser um “clima de medo entre os funcionários municipais” face, precisamente, à perspectiva de apoio a sua candidatura. Não se tratará, em rigor, de um (como que pidesco) “clima de medo”, mas da percepção, mais ou menos explícita, da inconveniência em revelar opções contrárias ao perene (ou, visto como tal), poder instituído. E não se trata apenas de funcionários municipais, embora nestes, os interesses em presença sejam, naturalmente, mais evidentes.Enfim! È algo que, concerteza, não acontece só neste concelho!Mas que nos deve fazer reflectir sobre a natureza do poder autárquico!Das condições da sua proximidade e da sua perpetuação! Do seu uso e, quantas vezes, do seu abuso!O que porém não oferece quaisquer dúvidas, é que se uma opção política (seja ela qual for), ainda hoje constitui motivo substancial de inibição pública, então é porque a democracia não goza, concerteza, de perfeita saúde!

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