Uma profissão com futuro
Sapateiro Manuel Neto Lopes diz que deviam haver cursos de formação na área
Nasceu numa pequena terra do concelho de Ourém e cedo teve que se fazer à vida para ajudar os pais. “Éramos oito irmãos e tinha de haver na família quem arranjasse os sapatos de todos”, diz o sapateiro.
Manuel Neto Lopes tinha sete anos quando o pai adoeceu com turberculose, tendo passado 22 meses no sanatório da Guarda. Quando regressou percebeu-se que não poderia continuar a trabalhar e foram os filhos que tiveram que se fazer à vida.Um foi aprender de barbeiro, outro de carpinteiro. A Manuel Lopes coube o arranjo dos sapatos. Aos 12 anos foi aprender a profissão com um sapateiro de uma terra próxima. Diz que já nessa altura, em 1962, o pai pagou 500 escudos ao mestre para lá o ter como aprendiz. “E durante um ano não recebia nada”. Durante nove meses fez oito quilómetros a pé por dia para arranjar sapatos mas um dia cansou-se dos modos bruscos do patrão e de não receber nada pelo trabalho que fazia e “despediu-se”.Foi trabalhar para outro mestre do Olival. Os quilómetros a pé aumentaram para 14 mas pelo menos recebia algum dinheiro. “Três escudos por dia, lembro-me bem”.Diz que tem a melhor profissão do mundo. E que mais que um trabalho ser sapateiro é uma arte. Gaba-se de ter aprendido “sentado na tropeça”, a fazer uma linha à maneira antiga, a pôr umas cerdas, a coser uma pomba. A pontear botas e a pôr meias solas à mão, sem a ajuda das máquinas de hoje.Aprendeu com a sabedoria dos mestres mas soube progredir à medida que a indústria do calçado também evoluía. “Aprendo sozinho, muitas vezes comigo próprio. Ainda hoje, com 55 anos, continuo todos os dias a aprender alguma coisa”.Ainda não tinha 18 anos quando se estabeleceu por conta própria mas pouco depois chegou o serviço militar obrigatório e quando de lá saiu foi trabalhar durante uns tempos para uma empresa de estruturas metálicas.Voltou para a profissão de sapateiro não só porque gostava mas porque, como diz, era a que lhe dava também maior fonte de rendimento. E continua a dar. Tem é de se saber trabalhar.“Hoje a profissão está mais forte que antigamente, quem quiser trabalhar a sério ganha dinheiro”, refere, apontando para as prateleiras que adornam as paredes da loja, completamente cheias de sapatos e botas de todos os tamanhos e feitios. “Tenho até pena daqueles que andam aí noutras profissões, a trabalhar em serviços muito sujos, em perigo, sem terem lugar fixo para trabalhar. Ao contrário, isto é uma bela profissão, não se anda debaixo de frio e chuva. E não trocava o ordenado de um sapateiro por qualquer outro ordenado”.Trabalho não lhe tem faltado. Tem dias de arranjar quase uma centena de sapatos e botas. “Pode correr o país de ponta a ponta que não encontra um sapateiro com tanto calçado”, diz quem no dia da reportagem tinha 250 sapatos para entrega.Foi ele que fez o seu próprio nome na praça, à custa de muito trabalho e dedicação. “Enquanto os meus colegas fazem oito horas por dia eu faço quase sempre 16 horas”. Abre a loja, situada na zona nova de Tomar, às 08h30 da manhã e fecha às 19h30, com uma hora para almoço. Depois do fecho faz duas dezenas de quilómetros até casa, para jantar com a família, e regressa ao estabelecimento, para mais duas ou três horas de trabalho nocturno.É organizado por natureza. Os sapatos para arranjo estão colocados na prateleira com o nome do cliente, por ordem alfabética. “Se não for assim não se anda para a frente”, refere o sapateiro, adiantando que se perder um minuto a mais com cada cliente, se tiver 60 clientes ao fim de um dia tem uma hora de trabalho perdida.Em 1990 Manuel Lopes foi passear até ao Canadá. Gostou e acabou por lá ficar uns tempos, depois de ter a companhia da mulher e dos filhos. Não sabia uma palavra de inglês mas decidiu arriscar e abriu uma pequena loja de consertos.“Ficava mesmo em frente à estátua do Camões, no centro de Toronto, e no primeiro dia de trabalho tive 24 clientes. Nunca tive menos”. Voltou para Portugal porque tinha cá a vida formada. “Fica por lá quem vai aos 20 ou aos 30 anos, não aos 40 anos”, diz.Quando regressou, dez anos depois, pensava estabelecer-se na zona de Leiria mas acabou por vir parar a Tomar. “Analisei qual era o melhor local para trabalhar e optei por Tomar, que tem muita rua em calçada antiga, daquela que estraga os sapatos”.Alugou uma loja na avenida Cândido Madureira, que ao fim de três anos se tornou pequena para tantas encomendas. E transferiu-se de armas e bagagens para a zona nova, no final da rua Amorim Rosa, entre os bombeiros e a biblioteca.Diz que cada vez há menos sapateiros e muito mais trabalho. E lança um desafio a quem tem responsabilidades sociais e económicas no país – “deviam fazer cursos de formação de sapateiros porque há por aí muita gente, até com alguma deficiência, que podia aprender uma profissão que, ao contrário do que se diz, tem cada vez mais futuro”. Margarida Cabeleira
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