Entre tachos e panelas
Lucília Maia é cozinheira no seu próprio restaurante, numa pequena aldeia do concelho de Torres Novas
É uma mulher aventureira, que começou a lidar com tachos e panelas com apenas 13 anos e que decidiu aos 31, abrir um restaurante em Pé de Cão, uma pequena aldeia do concelho de Torres Novas. O retorno desse investimento é a clientela que fidelizou e que é tratada como gente da casa.
Nove da manhã. Lucília Maia, de bata e boné imaculadamente brancos, aproxima-se do fogão e mexe com uma colher de plástico branca o tacho onde cozem os ossos do espinhaço do porco, indispensáveis na sopa à lavrador que vai servir aos comensais dali a algumas horas.Cila, como é mais conhecida, não tirou nenhum curso de cozinha. Tudo o que sabe aprendeu com a prática de mais de duas décadas a tratar tachos e panelas por tu.Nunca teve muito tempo na infância para pensar no que queria ser quando fosse grande. Filha de um casal de camponeses, deixou a escola aos dez anos para ajudar os pais no cultivo das terras. “Éramos nove irmãos e o meu pai decidiu que, se os mais velhos não tinham estudado, os mais novos também haviam de seguir o mesmo caminho”.Depois de passar por uma fábrica de conservas, onde embalava ervilhas, tomate, favas e outros legumes com a mesma vontade com que hoje mima os seus clientes – “nunca fiz nada com sacrifício” – Cila entrou como ajudante de cozinha num dos maiores restaurantes de Leiria, concelho onde nasceu.“Entrei para lavar pratos mas 20 dias depois já estava a fazer comida”, diz, enquanto cheira o tacho. O olfacto é, aliás, o seu sentido mais apurado. “É muito raro provar a comida que estou a fazer. Só se tiver mesmo muitas dúvidas”, diz.É uma mulher com sorriso fácil, que nunca vira a cara à luta e gosta de desafiar o destino. Foi por isso que há dez anos decidiu, com o marido, abrir um restaurante em Pé de Cão, concelho de Torres Novas.“Abrir um restaurante numa aldeia foi como jogar no totoloto”, refere, orgulhosa do seu feito, do qual hoje colhe os louros, apesar de não gostar de ser vista como “a proprietária”. “Não sou dona do restaurante, sou a cozinheira que por acaso é mulher do dono”, diz a brincar.Aprendeu muito no restaurante de Leiria. Porque era curiosa, porque queria saber mais. O cozinheiro de então percebeu isso e fez um acordo com Cila. “Disse-me que podia começar também a cozinhar mas se estragasse a comida, tinha de a pagar. Nunca paguei nada”, refere.Por sorte ou azar, dois anos após ter entrado no restaurante, o chefe de cozinha adoeceu e Cila tomou o seu lugar. “Nessa altura tive medo, afinal servíamos cerca de 400 almoços por dia”, confessa, adiantando ter-se saído bem, “depois de muitos nervos e choro”.Foi no restaurante de Leiria que conheceu o futuro marido, sobrinho dos donos da casa. Casou nova, aos 21 anos, altura em que interrompeu as lides culinárias para tomar conta dos aviários dos sogros, em Pé de Cão, concelho de Torres Novas.Dez anos depois o casal decidiu investir na abertura de um café restaurante na aldeia. E começou mais uma aventura para Cila. “Esta casa”, diz apontando para as paredes do restaurante, “foi construída só por nós, com muito suor e sacrifício. Fui eu que dei serventia de pedreiro ao meu marido e ao meu sogro”.Hoje, levanta-se diariamente às sete da manhã para dar um jeito à casa e às nove já está de volta dos tachos e das panelas. Gosta de fazer qualquer comida mas há certos pratos que lhe dão mais gozo apresentar aos clientes.Como o bacalhau com migas, o ensopado de borrego, o cabrito no forno ou o arroz de peixe. Nos doces, não é grande adepta de bolos. “Gosto mais dos de colher”. Às vezes altera receitas, dá-lhes um toque pessoal. Como o doce de amêndoa, uma especialidade da casa. Houve um dia em que um cliente lhe pediu o prato do dia, bacalhau com migas, que tinha acabado. Sem querer deixar mal o cliente, e tendo ainda migas, inventou na hora um prato que hoje sai tanto como o original – migas de tomate.“Gosto de mimar os clientes”, confessa. Mimos que levaram muitos a tornarem-se fiéis ao restaurante e a serem amigos da casa. “Hoje tenho clientes que quando chegam para almoçar não sabem o que vão comer. Conheço-lhes já os gostos e faço os pratos que sei que apreciam”.E quando algum falha na hora da refeição, Cila costuma-lhes ligar, para saber o que se passa, se estão doentes, por exemplo. “Há clientes que já fazem parte desta casa e quando não aparecem fico sempre preocupada”, refere Cila.Que entre a confecção da comida, o embelezamento dos pratos e a gestão da cozinha ainda tem tempo para uma gargalhada. “Quando se quer, há horas para tudo”, diz quem não está nada arrependida de, há uma década, ter embarcado na aventura de abrir um restaurante numa pequena aldeia. Mesmo que o domingo seja o único dia que tem para descanso.Margarida Cabeleira
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