Discurso só para entendidos
Fernando Lopes Graça em Tomar com registo muito erudito
Muito haveria a dizer sobre Fernando Lopes Graça, músico e ensaísta nascido em Tomar. Que se assumia acima de tudo como cidadão. E disso pouco foi lembrado na sessão solene de evocação ao centenário do seu nascimento.
Lopes-Graça foi um homem de grandes causas e fortes convicções, uma figura nacional, parte integrante do património histórico do país. Que sempre conseguiu aliar a sua complexidade artística a um sentido simples de cidadania. Foi sempre um interveniente activo na vida cívica e política do país, contundente nas suas tomadas de posição e destemido no afrontar dos conflitos. Um homem que em tempo de ditadura nunca deixou de apostar na liberdade. Pena é que esta faceta da vida de Fernando Lopes-Graça – como a fundação de um jornal político-regionalista em Tomar, quando tinha apenas 22 anos - tenha ficado “perdida” no discurso “erudito” efectuado no dia 1 de Março pelo secretário de Estado da Cultura, durante a sessão solene de evocação ao músico e compositor.Mário Vieira de Carvalho, que até teve o privilégio de entrevistar Fernando Lopes Graça em 1973, preferiu apostar num discurso onde a vertente mais técnica e complexa do compositor foi trazida para primeiro plano.Socorrendo-se de trechos escritos de músicos e compositores mundiais e intemporais, como Bach, Jenö Takács ou Gerhard Maasz, o secretário de Estado falou muito mais das qualidades artísticas e complexas, para aquele tempo, do músico e compositor de Tomar do que do homem.Muitas vezes de uma forma pouco perceptível ao cidadão comum. Como quando disse que a riqueza da música que ia sendo descoberta por Lopes-Graça era portadora de “idiossincrasias diferenciadas” e “prosódias culturalmente estranhas”.Disse ainda Mário Vieira de Carvalho que Lopes Graça defendia “a especificidade do momento céptico” e não aceitava que a música se transformasse em mero pretexto para acção ou agitação políticas.As cerca de duas dezenas de pessoas que acorreram aos Lagares d’El Rei mexiam-se nas cadeiras. “Isto é areia demais para a minha camioneta”, segredava alguém para o companheiro do lado, que tinha os olhos fechados. Talvez para tentar absorver melhor as palavras do secretário de Estado.Que continuava o seu discurso sobre as qualidades técnicas e imensuráveis de Fernando Lopes-Graça. A sua relação com as fontes da música rústica, “flectindo um clima hegemónico à época”. Ao discurso seguiu-se o momento musical, com as “Melodias Rústicas Portuguesas”, para flauta e guitarra, fechando a primeira parte com uma estreia absoluta – as Três Invenções para Lopes-Graça, de Nuno Leal, professor de análise e técnicas de composição na Escola de Música Canto Firme de Tomar.A sessão solene de evocação a Fernando Lopes-Graça foi organizada pela Câmara de Tomar sob proposta da assembleia municipal. Mas dos 37 deputados, apenas quatro marcaram presença, para além de Miguel Relvas, presidente da assembleia – João Simões e José Júlio (Movimento Independentes), Bruno Graça (CDU) e Carlos Trincão (BE).Margarida Cabeleira
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