“Auto da Barca do Inferno” em Alverca
Gruta do Forte da Casa em cena na Amostra de Teatro
O GrutaForte, do Forte da Casa, levou ao Espaço Cegada “Auto da Barca do Inferno” no âmbito da 2ª Amostra de Teatro de Alverca. O espaço encheu-se para ver o grupo mais jovem do concelho de Vila Franca de Xira.
São 21 horas de sexta-feira, 10 de Março, e falta meia hora para o início da peça, “O Auto da Barca do Inferno”, de Gil Vicente. No palco do Espaço Cegada, em Alverca, 18 dos elementos que integram o GrutaForte, o Grupo de Teatro Amador do Forte da Casa, ensaiam algumas das cenas mais importantes. Os nervos são já muitos, que misturados com a juventude do grupo, que tem apenas três anos, fazem com que sejam esquecidas algumas falas. Repete-se a cena. Tudo para que quando começar o espectáculo nada falhe. As 21h30 aproximam-se a passos largos e está na hora de os actores se vestirem e maquilharem. O pequeno camarim do Espaço Cegada, para ambos os sexos, revela-se minúsculo para os 18 participantes se movimentarem. O traje do Frade mistura-se com o do sapateiro e os encontrões sucedem-se enquanto se vestem. O espaço exíguo acaba por atrasar a preparação dos actores o que, por sua vez, atrasa o início do espectáculo. À medida que o tempo passa, os nervos aumentam. O Corregedor relê o texto, enquanto se tenta abstrair da confusão do camarim. Para Sandra Lopes, quem dá vida à personagem de Gil Vicente, esta é a única maneira de “acalmar um pouco” os nervos. Para ficar com um aspecto mais angelical, o Anjo pede à maquilhadora de serviço, Dores Correia, também responsável pelo guarda-roupa, que lhe coloque pó talco. O efeito desejado é conseguido, mas agora há um problema: este anjo tem madeixas vermelhas. Sendo tarde de mais para outra solução, resta esperar que com as luzes não se note. Filipa Morgado, de 19 anos, encarna este Anjo com um toque de modernidade, que na obra de Gil Vicente representa o Bem. Por ter um “ar bonacheirão e de bêbado”, Rui Rodrigues, de 50 anos, foi o escolhido para representar o Frade pecador. As bochechas bem pintadas de vermelho não deixam dúvidas em relação ao gosto pelo néctar dos deuses do religioso. Já preparada, Dalinda Puga, de 70 anos, aproveita para descansar um pouco antes de entrar no palco. Vestida a rigor enquanto Fidalgo, Dalinda Puga refere que não tem “consciência da idade. Sinto que sou uma miúda como elas”. Há dois anos convidaram-na para integrar o grupo e desde então diz que se sente rejuvenescer cada dia que passa. Auditório foi pequenoO público começa a entrar já perto da 22h00, mas não se ouvem reclamações. Vieram para ver o “Auto da Barca do Inferno” e este pequeno percalço não lhes tirou o entusiasmo. Com capacidade para 80 lugares, o Espaço Cegada é pequeno para receber as 100 pessoas que quiseram assistir à peça. Para que todos coubessem, foram retiradas as cadeiras e o público senta-se no estrado. Mais uma vez, nada que os preocupe.Também entusiasmo, mas, acima de tudo, muito nervosismo reina nos corredores que dão acesso ao palco onde as personagens da peça se perfilam para entrarem em cena. Não se ouvem as pancadas de Moliére, mas elas ecoam na cabeça de cada um deles que vão entrando para o palco.Música e dança tradicionais, cor e alegria, enchem o palco como se de uma festa popular numa aldeia remota do Portugal de outros tempos se tratasse. A música termina e começa a batalha figurada entre o Bem e o Mal. O Diabo e a “Diaba”da barca dos danados e o Anjo da barca que conduz ao Paraíso ouvem as justificações do Judeu, da Brízida Vaz, do Onzeneiro, do Parvo, que arranca do público sonoras gargalhadas, do Enforcado e de todos os outros. Entre as duas barcas, uma fonte onde corre água permanentemente simboliza a transição do terreno para o etéreo, de purificação dos mortos.No final, a história é já conhecida: só o Parvo e os quatro cavaleiros embarcam na barca do Paraíso. Os restantes vão arder no fogo do Inferno para sempre pelas suas más acções em vida. No entanto, ainda antes do esperado fim, os espectadores são surpreendidos por quatro peculiares cavaleiros. Em vez dos trajes tradicionais dos homens das Cruzadas, os cavaleiros da GrutaForte envergam uns modernos fatos de forças especiais de intervenção, encapuzados e com potentes armas.Segundo Pedro Cera, o encenador da peça, com estes “novos cavaleiros” pretendeu mostrar que a mensagem que Gil Vicente quis passar em 1517 quando escreveu o “Auto da Barca do Inferno”, é ainda actual. “Invoca qualquer das guerras do momento em que os ‘defensores do mundo’ lutam contra o chamado ‘eixo do mal’”. Pedro Cera sublinha que a “função pedagógica” é uma das principais do teatro, para “obrigar as pessoas a pensar”.Sara Cardoso
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