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Dos G-Men à Banda do Casaco passando pela Filarmónica Fraude

Quando é que entra no universo da música? Sempre gostei muito de ouvir música. Sou do tempo em que se gravavam programas de rádio. Um dia lá no Entroncamento meteu-se-nos na cabeça formar um grupo musical. A primeira coisa que fizemos foi tirar fotografias. Fomos para uma ponte sobre a linha de caminho de ferro tirar fotografias. O Eusébio, eu e os outros. Ainda não existia o grupo nem sabíamos tocar nada.Pode dizer-se que foi o seu primeiro trabalho como produtor.Exactamente. Aprendemos a tocar para formar o grupo. O Rui Branco era o cantor. O José João Parracho o Baixo, eu na bateria, o Jorge Horta tocava guitarra e o Carvalho Fernandes que era de Lamego e estava no Entroncamento a fazer o Serviço Militar era teclista. Como o Eusébio não sabia mesmo tocar nada acabou por ficar de fora. Onde arranjaram os instrumentos? O meu pai foi-me comprar a bateria numa aldeia ali para os lados da Lamarosa a alguém que tinha uma em segunda mão à venda. Custou dois contos e quinhentos ou coisa parecida. A guitarra eléctrica veio da Alemanha. Comprei-a na minha viagem de finalistas do Colégio Militar. Era uma Hofner. Fizemos rifas no Entroncamento para arranjar o dinheiro. Ensaiávamos na garagem da casa dos meus pais. As miúdas andavam atrás dos artistas?As miúdas não iam muito. Era o tempo do Santo Sacrifício da Saída da Missa. Tínhamos que esperar à porta da Igreja por elas aos domingos.Até onde foram os G-men? Descobri há dias uns recortes de quando o grupo veio ao festival Yé-Yé no cinema Monumental em Lisboa. Ficamos em 2º lugar. Quem ganhou foram os Diamantes Negros de Sintra.Tocavam músicas conhecidas, os chamados “covers”?Tocávamos algumas, mas eu já achava que devíamos ter os nossos próprios originais. A mania de escrever letras para canções vem daí. Muito antes da Filarmónica Fraude, da Banda do Casaco, etc?Por mais razões de queixa que eu tenha do Entroncamento eu sou de facto um fenómeno (risos).Este recorte da vossa actuação no Monumental é de 1965. E está aqui gente famosa na plateia durante a vossa actuação.Realmente estão aqui os actores Paulo Renato e Rui de Carvalho. E a minha família. A minha mãe, a minha mulher, a altura ainda namorávamos. Até o meu avô Mendonça aqui está. Os G-men não duram muito.As vidas alteram-se, cada um vai para seu lado. Segue-se a Filarmónica Fraude, que nasce entre o Entroncamento e Tomar. Mas aí o António Pinho já não toca bateria.Não, só escrevo as letras. Era eu, o Parracho que já tinha estado comigo nos G-men, o Luís Linhares Corvêlo de Sousa, com quem mantenho contacto, que é o compositor, o Júlio Patrocínio, o Toneca.Como surge a Filarmónica? O Parracho estudava em Tomar com os outros.E o nome? Eu sempre tive a mania de ser diferente. Não queria um grupo com um nome parecido com os que havia. Eu sempre gostei muito de aliterações e de coisas começadas pela mesma letra porque acho que têm ritmo. Alguém disse Filarmónica, isto no Jardim da vivenda dos meus pais. Gostei da palavra, achava que soava bem, mas era redutora. Então faço aquilo que ainda hoje faço muito na minha vida. Pego no dicionário e vou à letra éfe. Queria outra palavra que começasse por éfe. Que destruísse a Filarmónica e que ligasse bem. E de repente encontro a palavra Fraude. Os outros arrepiam-se, mas acabaram por aceitar.Estávamos em 1968.Ainda a propósito do nome. Aqui há dias na Antena Um o Júlio Isidro contou uma história divertida por causa do nome do grupo. Em determinada altura o director de uma estação de rádio chamou o locutor que tinha acabado de anunciar uma música nossa ao seu gabinete e deu-lhe uma reprimenda. “O senhor não sabe o nome do conjunto. Não é Fraude, é Freud. Filarmónica Freud”A Filarmónica Fraude não foi a nenhum concurso Yé-Yé.Não. A minha mulher andava em Direito em Lisboa e já era amiga da Natália, hoje Proença de Carvalho, que era filha de um dos donos da Torralta. Através dela conseguimos um contrato para tocar no mês de Agosto de 1968 no Alvor. Tocávamos à noite e durante o dia eu e o Linhares de Sousa compúnhamos. E íamos introduzindo canções nossas nos espectáculos. Os Animais de Estimação, a Flor de Laranjeira. E deram nas vistas.Um dia o Fernando Assis Pacheco que era o director do suplemento A Mosca do Diário de Lisboa ouviu-nos e escreveu sobre nós. “Uma Filarmónica Fraude nas Noites Brancas do Alvor”, nunca mais me esqueço.A Filarmónica Fraude grava dois EP (discos de vinil com quatro músicas) e um Álbum. Músicas de sátira social que tiveram algum impacto.Foi um tempo interessante. Fiz pesquisas na Biblioteca Nacional para escrever o Álbum Epopeia. Para transpor os Descobrimentos para os tempos actuais. Lembro-me por exemplo de ler muita coisa do Agostinho da Silva. Na altura não havia nada dele publicado em Portugal.Houve algumas estações de rádio onde a vossa música não passava. Algumas, mas não tivemos problemas com a censura. A excepção, curiosamente, foi com a capa do Álbum. Foi feita pela Lídia Martinez e ela assinou, por baixo daquela cornucópia, Lídia 69, por estarmos em 1969. A censura mandou tirar. Tinham umas mentes pervertidas. A aventura da Banda do Casaco no reino da RevoluçãoO projecto que se segue na sua carreira chama-se Banda do Casaco e nasce em 1974. O Nuno Rodrigues que tinha um grupo de música medieval que era o Música Novarum ouviu a Filarmónica e percebeu que havia ali um gajo com quem gostava de trabalhar. Juntamo-nos e éramos duas aves raras. Ele bem mais raro que eu porque tem uma cabeça muito complicada. O primeiro disco era uma grande mistura e foi recebido com alguma surpresa. Benefícios de um Vendido no reino dos Bonifácios. Mais um grupo desalinhado numa altura de grandes alinhamentos, à esquerda ou à direita.Lembro-me que o crítico de Televisão Mário Castrim escreveu um texto a seguir ao nosso concerto na aula Magna em que perguntava: “Quem são estes? Porque não se definem? São de direita ou de esquerda?”. Naquela altura um grupo como a Banda do Casaco fazia muita confusão a algumas pessoas. O concerto na Aula Magna foi dos raros concertos da Banda do Casaco.Tocámos três vezes ao vivo, unicamente. Aula Magna, Festa de S. Mateus em Viseu e Casa do Povo em Cacia, vá lá saber-se porquê?Ainda há dias o Nuno Rodrigues me falou nesse concerto. A Casa do Povo estava cheia de velhos. Mulheres com bigode e tudo. Como isto é! Não sei porque é que nos contrataram para tocar ali. Não consigo perceber. Estávamos a tocar contra um muro. Tudo a olhar para nós. Para aquelas aves raras.Deve ter sido uma experiência do outro mundo.Eu era um provocador nato, fiz tudo para provocar o público. O Nuno diz que eu dizia cada coisa que eles só pensavam em enfiar-se pelo chão dentro. Mas nem mesmo assim havia reacção. Em Cacia havia aquele cheirete da celulose. Até por aí eu entrei. “Não há dúvida nenhuma, cada terra tem o cheiro que merece”, disse eu. Nem ai, nem ui!Para quando uma reedição dos discos da Banda do Casaco?Estamos a tentar fazer uma antologia. Aquilo que para nós é de facto o melhor. Queria chamar-lhe O pior da Banda do Casaco porque o que para nós é melhor não corresponderá à opinião de alguns críticos. Quando poderá ser editada essa antologia?Não depende só de mim. Lancei o desafio ao Nuno. Disse-lhe que, no mínimo queria fazer dois originais para ver como somos hoje tantos anos depois. Fiz quinze letras para ele escolher. E teremos que regravar três ou quatro temas do “Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos” porque o master desse disco desapareceu.

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