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“O que eu fazia para tourear “

“O que eu fazia para tourear “

Como é que nasce o seu gosto pelos toiros?O meu pai era um grande aficionado e eu ia às esperas de toiros com ele. Depois comecei a ir sozinho a Vila Franca de Xira e Samora Correia. Comecei a frequentar as tentas do Conde Cabral e do Tomás da Costa. Um dia o maestro José Júlio levou-me para a quinta da Boiça e foi lá que tomei o primeiro contacto com a espada, a muleta e o capote. Recebi do maestro José Júlio as primeiras indicações e comecei a interessar-me.Mas depois foi para Coruche...Como fui colocado em Benavente a fazer o serviço cívico estudantil (tempo de serviço comunitário obrigatório para entrar na Universidade a seguir ao 25 de Abril de 1974) e como conhecia o senhor António Badajoz de Coruche aluguei um quarto na pensão da Ponte da Coroa em Coruche. Ia a Benavente dar aulas a adultos e batia os tentaderos com o António Badajoz. Ainda lhe servi de motorista quando ele fracturou um braço após uma colhida no Campo Pequeno quando era bandarilheiro do José João Zoio.Foi uma experiência marcante?O senhor António Badajoz era um toureiro sério e uma figura respeitada que me ajudou imenso. Eu queria ser novilheiro como o António de Portugal e o Parrerita, ele disse-me que não havia espaço para todos e aconselhou-se a preparar-me bem para ser bandarilheiro profissional. Foi o que fiz porque o que eu queria era tourear. Em 1976 fiz a minha prova de bandarilheiro em Alcácer do Sal e tomo a alternativa em 11 de Agosto, dois meses depois, em Coruche tendo como padrinho o senhor António Badajoz. A partir daí as figuras espanholas que vinham tourear cá contactavam-me porque eu andava muito bem na cara dos toiros.Esteve na última corrida com toiros de morte em Portugal, em 1977, com o maestro José Júlio?Foi a 7 de Maio de 1977 com José Júlio, o António de Portugal e o venezuelano Rayito de Venuzuela estoquearam numa corrida de concurso e foi tudo parar à prisão.Na comitiva do Rayito vinha o apoderado e moço de espadas do Curro Romero, Gonzalo Sánchez Conde, conhecido por “Gonzalito” que ficou surpreendido com a forma como eu toureava e pediu-me o contacto. Convidou-me a ir tentar sorte a Espanha.Foi uma decisão complicada?Muito dura. Ainda não tinha feito o serviço militar e estava matriculado em Direito. Ainda havia fronteiras e muitas dificuldades.Mas foi...Fui. Cheguei a Madrid em Janeiro de 1978 com um frio diabólico. O Gonzalito mandou-me para Sevilha e eu comecei a estabelecer contactos com o maestro Curro Romero e outras figuras do toureio e a treinar com uma grande figura de quem me fiz amigo, o Juan António Luíz Espartaco. Treinámos muito na pracita de Santiponce em Sevilha Havia um ambiente extraordinário e ainda fiquei mais motivado.E como é que os pais reagiram à ida para Espanha?O meu pai (Jaime Mendes) era aficionado e gostava que o filho fosse toureiro. A minha mãe (Esmeralda Valentim) é que sofria mais, mas compreendeu e aceitou a minha opção. O maestro José Júlio, o maestro António Tadório, o Ludovino Bacatum que organizou a iniciativa “Vila Franca procura um toureiro” e o senhor João Oliveira, que era da Misericórdia, incentivaram-me imenso e ajudaram a convencer os meus pais.Ir para Madrid implicava dinheiro para pagar um quanto e o comer. Houve que reunir recursos. Como era o ambiente taurino em Vila Franca de Xira na década de 70? Vila Franca tinha um ambiente taurino intenso. Vivia-se a festa com grande entusiasmo. Tínhamos ainda o José Falcão a dar cartas em Espanha. O José Júlio e o Mário Coelho estavam em stand-by, surgiu um novilheiro extraordinário de Calhandriz, o António de Portugal que se formou com o José Júlio. Havia um ambientaço. Vivíamos a festa com prazer e havia as tertúlias onde se falava da festa e se debatia o mundo taurino. Chegou a Espanha em 1978. Como foi a sua evolução? Foi uma evolução segura mas rápida. Comecei a triunfar, triunfar, triunfar e começaram a surgir os contratos. Fiz uma boa carreira como novilheiro de 1979 a 81 e fiquei nos seis primeiros do “escalafon”, o top dos novilheiros em Espanha. Entretanto todos os outros novilheiros portugueses não tinham conseguido brilhar em Espanha e desde 1974 que não tínhamos uma figura portuguesa porque tinha morrido o José Falcão (toureiro de Vila Franca) em Barcelona.Surge então a oportunidade de ser matador de toiros?Foi a empresa Balana que me ofereceu a hipótese de tomar a alternativa na Monumental de Barcelona a 13 de Setembro de 1981. Foi uma alternativa extraordinária com duas grandes figuras máximas e triunfei com saída pela porta grande. Nessa temporada ainda fiz cinco corridas e saí em ombros em três delas. Tive convites para ir tourear para a América.É nessa altura que é chamado para cumprir o Serviço Militar Obrigatório. Veio mesmo na pior altura. Fui assentar praça na Escola Prática de Cavalaria em Santarém. Depois fui um dos três melhores do meu pelotão e fiquei lá três meses a dar recruta com a ajuda do furriel Martins. Fui responsável pela formação do segundo pelotão de apoio da Polícia do Exército. Foi uma experiência interessante mas complicou-me muito a vida.Deixou de tourear?Arranjava sempre maneira de tourear aos fins-de-semana. Como estava na tropa nem sequer tinha autorização para sair do país mas isso não me travava. Chegava a ir a Espanha tourear e uma vez até fui à Venezuela. Toureei em Maracaibo no Sábado e regressei no domingo à noite. O meu azar foi um atraso no voo. Em vez de entrar no quartel de manhã, entrei segunda-feira à tarde. Apanhei uma reprimenda do oficial de dia.Ele chegou a saber da aventura?Uns dias depois alguém lhe disse que vinha num jornal que eu tinha triunfado numa corrida na Venezuela mas ele não acreditou. Era incrível demais para ser verdadeUm fim-de-semana levei uma cornada em Espanha. Fui cosido lá mas depois tive que me tratar no quartel. O enfermeiro ficou espantado quando me foi tirar os pontos ao descobrir que aquele tipo de linha não era utilizada em Portugal mas apenas em Espanha.
“O que eu fazia para tourear “

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