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“Sorrio para afastar o medo”

Um simples mortal chamado Victor Mendes que se imortalizou como matador de toiros

Victor Mendes é um dos melhores matadores de toiros de sempre. Natural de Marinhais, cresceu no meio taurino de Vila Franca de Xira e afirmou-se nas melhores praças do mundo. Tomou alternativa há 25 anos, toureou em mais de mil corridas. Tem o corpo marcado por dezanove cornadas que são o mapa da sua peregrinação por uma profissão onde poucos triunfam. Esteve por três vezes às portas da morte e diz que se agarrou à dor como forma de se agarrar à vida. Na arena costuma sorrir. Por se sentir feliz e para afastar o medo.

Depois de uma carreira de projecção com grande exposição pública são cada vez mais raras notícias sobre si. Tem-se resguardado?Eu não me preocupo em ser notícia. Tento ser o mais discreto possível porque entendo que pertenço ao grupo dos comuns mortais. Sou um homem como qualquer outro, com virtudes e defeitos.Nem todos os comuns mortais chegam onde chegou. Tive a felicidade de ter conseguido cumprir o que projectei para a minha vida que foi ser matador de toiros. É verdade que sou o toureiro que conseguiu triunfar mas também sou o homem simples que gosta da vida, dos amigos, da família. O que é necessário para triunfar? Eu abracei a profissão de matador de toiros e vivi dela e para ela. Para triunfar nesta profissão são necessárias qualidades físicas, intelectuais, psicológicas. É necessário um apurado sentido estético. É preciso ser forte a todos os níveis. E é necessária uma entrega total. Esta é uma profissão muito selectiva onde há mais vencidos que vencedores. O caminho para o sucesso é muito exigente. São poucos os que conseguem tornar-se figuras. Como gostava de ser recordado?Como um toureiro completo que dominou todos os tércios e que arriscou o máximo em todas as circunstâncias. Toureei sempre pelo prazer de tourear e creio que posso servir de exemplo pela honestidade e pelo perfeccionismo. O risco compensa sempre?Tem que haver algum controle. Um toureiro não é um suicida. Mas o público sabe reconhecer o toureiro que domina o toiro. O que arrisca para dar a volta a um toiro mais complicado. É ali que se joga o triunfo.Assumir o risco é ir mais alémMuitas vezes estou na cara do toiro e ele avisa-me. ‘tem cuidado’, porque o toiro avisa sempre. Eu não ignoro o aviso mas não desisto de ir mais além. Durante a lide o toiro evolui e o toureiro tem que se ir adaptando às suas características. Ele é um cúmplice do jogo, não é um inimigo. O toureiro tem de ter capacidade e inteligência de interpretar os sinais do animal para conseguir dominar a situação e impor-se. Tem que conseguir superar-se. Há muitas formas de dominar situações.Sim, há muitas formas de matar o toiro. Há a forma leal, correcta dos que conseguem impor a sua superioridade e coragem e há a forma rateira, cobarde, a fugir. E dessa o público não gosta, porque o público é sensível e percebe. Por isso é que muitas vezes é o toiro que triunfa. É ele que recolhe os aplausos quando já morto é recolhido. O seu sorriso na praça é uma imagem de marca. Porque sorri?Está no meu temperamento. Não é um sorriso forçado. É a minha forma de afastar o medo. Há toureiros a quem o medo seca a boca, há outros que vomitam antes dos grandes momentos, eu sorrio. Mas ter medo não é fraqueza. Se tu não tens medo de estar frente a um toiro és um louco.Não é um sorriso de felicidade?Claro que também é um sorriso de felicidade. Estou ali a fazer aquilo que gosto e sinto um enorme prazer nisso.Quando está a tourear costuma pensar na morte? Eu penso é na vida e na alegria de estar na cara de um toiro. Penso em fazer uma boa lide. Tenho consciência que a morte existe mas nunca penso na morte. Mas já viu a morte muitas vezesLevei dezanove cornadas ao longo da minha carreira. Já estive três vezes mais para lá que para cá. Mas mesmo naqueles momentos nunca pensei na morte. Sempre pensei na vida. Agarrava-me à dor para me agarrar à vida. Pensava, ‘se me dói é porque estou vivo’. Felizmente Deus deu-me uma boa condição física e uma grande força psicológica que me têm sido fundamentais nos bons e nos maus momentos.Já se despediu várias vezes das arenas, mas não consegue arrumar o capote a muleta?Retirar-me é impossível. Faço 10/12 festivais, maioritariamente de beneficência, todos os anos em Espanha, mantenho o contacto com o mundo taurino.É isso que me mantém vivo e feliz.Para além das cornadas dos toiros que outro tipo de cornadas se levam na profissão? Levo esta profissão muito a sério e com seriedade. E mesmo assim, abdicando de muita coisa, sinto que vivo num mundo de falácias, críticas e invejas onde parece que tudo pode mudar rapidamente. O importante não é que as coisas corram bem num determinado período de tempo, isso não é muito difícil, o importante é manter um nível alto ao longo de uma carreira e vinte e cinco anos depois, continuar a gostar do que faço.É um mundo de invejas?Sem dúvida. Quando alguém atinge um patamar elevado logo outros vêm dizer que são melhores mas não tiveram oportunidades para triunfar. Não podemos cair no erro de dar importância a isso. Esse argumento é ridículo. Nelson Silva LopesAlberto Bastos

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