O cirurgião do restauro
Paulo Queimado diz ter nascido praticamente no meio de aparas de madeira
Nasceu praticamente no meio de aparas de madeira e aos 31 anos de idade Paulo Queimado é já um técnico conceituado na arte do restauro. Uma arte cirúrgica que alia a técnica à paciência e perfeccionismo.
Paulo Queimado debruça-se sobre a mesa onde está colocada a tela como um cirurgião preparado para uma operação. O seu “doente” é uma pintura do século XVII, que representa São Jerónimo.Antes de iniciar a recuperação da peça foi preciso fazer vários testes, análises específicas para averiguar a resistência da tela e da pintura aos materiais que irão ser utilizados. Primeiro tem de se fazer o diagnóstico, estudar a peça em todas as suas vertentes, antes de se iniciar qualquer operação de restauro. Exactamente como faz um médico antes de avançar para uma cirurgia.A paixão pela arte e restauro vem desde o berço. “Praticamente nasci no meio das aparas de madeira”, diz o técnico de restauro da Chamusca. O pai tinha (e ainda tem) uma oficina de restauro e Paulo Queimado habituou-se a viver rodeado de peças antigas.Foi aprendiz no negócio da família por gosto. O tempo livre, depois das aulas, era passado na oficina de restauro. Por isso nada mais natural que, finalizado o ensino secundário, enveredasse pelo curso de conservação e restauro do Instituto Politécnico de Tomar. Porque queria ir mais além na arte de restaurar.Hoje Paulo Queimado confessa ter três grandes paixões – pintura, escultura e talha dourada. A arte de restaurar requer, além de sabedoria, muita paciência e precisão. “Ao contrário do que as pessoas pensam, restaurar uma pintura, por exemplo, não é só agarrar num pincel e numa tinta e pintar por cima”.Quando entra no atelier de Paulo Queimado qualquer obra é tratada como se fosse uma pessoa, neste caso doente. “A primeira coisa a fazer é o levantamento das patologias: fluorescência ultravioleta, reflectografia de infra-vermelhos, raio x, micro-análises químicas para determinar cargas, pigmentos, aglutinantes”.Tudo isto para saber o tipo de materiais que se deve utilizar, que têm de ser o mais compatível possível com o original. Além disso, diz o técnico, os materiais utilizados têm de ser altamente reversíveis. Isto é, se daqui a dez anos se achar que a intervenção agora feita não é satisfatória, os materiais que hoje Paulo Queimado está a usar são facilmente removíveis.Desde 5 de Maio que o técnico trabalha na pintura colocada sobre a mesa e que pertence à Venerável Ordem Terceira da Penitência de São Francisco, em Coimbra. As fotografias que tirou às diversas etapas por que tem passado a obra de arte são elucidativas do imenso trabalho que está por detrás do restauro. “E a obra só vai ainda a meio”, diz.O restauro é apenas um dos muitos trabalhos de Paulo Queimado, todos ligados à área. É consultor técnico de arte, dá formação, é responsável pela realização de projectos para os formandos porem depois em prática e ainda tem tempo para fazer avaliações e peritagens de peças de arte.Nesta última área acontecem coisas “fantásticas”. Porque a maioria das pessoas que o procura não faz muitas vezes ideia do que tem em casa. Ao nível da pintura, por exemplo, aparecem frequentemente pessoas que acreditam possuir um quadro valiosíssimo só porque é antigo. E o mesmo acontece com os móveis. “Às vezes um móvel não vale sequer o transporte”, diz o técnico de restauro.Mas o contrário também acontece. E Paulo Queimado já teve algumas agradáveis surpresas. “Já me trouxeram peças fabulosas sem que o seu proprietário se apercebesse do seu valor”.O que mais dói ao técnico é entrar num monumento e ver o seu interior cheio de peças de arte degradadas. E porque em alguns casos as razões afectivas falam mais alto que o dinheiro, Paulo Queimado decidiu enveredar também pelo mecenato, ajudando gratuitamente à recuperação de algum património da Chamusca.A primeira obra a ser restaurada foi a escultura do Senhor Morto, que está na Igreja Matriz da vila ribatejana. Aos 31 anos, Paulo Queimado vive basicamente para a sua arte. Mas apesar de “tocar muitos instrumentos” diz ainda ter tempo para se divertir. Principalmente à noite, e quando não tem de ficar até de madrugada a acabar um trabalho que tem prazos de entrega apertados. Mas, como diz o ditado, quem corre por gosto não cansa e gosto pela arte e pelo restauro é o que o jovem da Chamusca mais tem. O resto vem por acréscimo.Margarida Cabeleira
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