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“Quando trilho caminhos diferentes estou a lutar para ser melhor “
foto blog um e o outro

“Quando trilho caminhos diferentes estou a lutar para ser melhor “

Tim fala de “Um e o Outro” o seu trabalho à margem dos Xutos & Pontapés

O vocalista dos Xutos & Pontapés tem um disco a solo no mercado. Chama-se “Um e o Outro” e o tema que mais passa nas rádios é “Fado do Desencontro”, um fado/blue em dueto com Mariza, que conta com Mário Laginha ao piano. Tim não desiste de trilhar caminhos diferentes dos do grupo a que pertence. Porque quer arriscar sem medo e porque sente que aquela é uma forma de se tornar melhor.

Numa das canções do álbum “Um e o Outro” – um original dos Titãs - canta: “Podia ter arriscado mais/Podia ter errado mais/Podia ter feito o que eu queria”. Deve ser terrível para qualquer ser humano ter uns versos destes no epitáfio. Exactamente. Por isso é que eu fiz este trabalho. Não tinha nenhum objectivo em especial mas essa letra fez-me pensar que posso arriscar. Que posso deixar de ter medo. Que devo tentar fazer as coisas. Já aprendeu a não ter medo de errar? Errar faz parte da nossa vida. É através do erro que chegamos perto da perfeição. Vamos fazendo, corrigindo, tentando aproximar-nos da perfeição. Sente a voz dos Xutos & Pontapés neste seu disco? Consegue libertar-se totalmente dessa pele de elemento do grupo quando trabalha nos seus projectos a solo? Não sinto a voz dos Xutos neste meu disco. Pelo menos eu não sinto. Nos Xutos estou integrado num grupo. Parte de mim está ali mas eu sou mais do que aquilo. Quando me ponho a ouvir com atenção não me reconheço ali totalmente. Por vezes acontece estar a ver coisas antigas e eu não me identifico comigo próprio, com aquela voz com aquela personagem. Nos Xutos tenho uma parte da minha personalidade musical mas não a tenho lá toda. Já é tarde para se libertar completamente dos Xutos & Pontapés, como fizeram alguns músicos em determinado momento das suas carreiras? Se sentisse que isso era possível, arriscava? Não. Claro que não sabemos onde a vida nos leva mas não penso nisso. Estou satisfeito com o trabalho nos Xutos & Pontapés e não faço trabalho a solo para fugir do grupo. Eu sozinho não sei fazer o que os Xutos fazem. Nem melhor, nem pior. Não sei fazer. E quero continuar a participar nesse trabalho. Mas não posso negar que tenho outros interesses. Quando trilho caminhos diferentes estou a lutar para ser melhor. Precisa de mais espaço para si? Há uma altura em que nos concentramos totalmente no grupo e lhe dedicamos todas as nossas energias. Fechamo-nos ali para nos protegermos e para produzirmos alguma coisa verdadeiramente marcante. Essa fase já passou há muito tempo. Agora temos uma relação extremamente boa, continuamos a desafiarmo-nos uns aos outros em termos musicais, mas essa fase de descobrir novidades, de descobrir coisas que não existem já não há muito dentro dos Xutos. Foi complicado para o grupo cada um de vocês criar o seu espaço próprio? É sempre. Nunca é pacífico. Mas se nós sentimos qualquer coisa nessas alturas isso é bom porque significa que a nossa relação está viva. Se não sentíssemos nada é que era complicado. Não é um processo fácil mas não tem sido doloroso. Além disso esta situação não acontece só comigo. Já aconteceu praticamente com todos. Acho que só o João Cabeleira é que não fez coisas a solo. Também sentiu desconforto quando algum dos outros elementos do grupo avançou para um trabalho a solo? Sim, claro que sim. Já senti isso e por isso respeito esses sentimentos. Mas todos temos que perceber que cada um de nós ao trabalhar noutros projectos fica mais completo e melhor. E que isso pode ser benéfico para o grupo. Se andarmos recalcados por não estarmos a fazer outras coisas que gostaríamos de fazer, pelo facto de estarmos acorrentados ao grupo, o trabalho colectivo sai prejudicado. Não existe a “seita” Xutos e Pontapés? Aquele símbolo, a legião de fãs, a celebração do ritual concretizada nos concertos… Não há qualquer seita. Nós todos prezamos muito a liberdade. E é fundamental cada um de nós ter liberdade para se encontrar consigo próprio para além do espaço dos Xutos. E isto não acontece apenas com quem trabalha na área criativa, com músicos, escritores, artistas…uma pessoa trabalha anos a fio num escritório e, em determinada altura, vai trabalhar temporariamente num outro local, com outros profissionais, outros métodos, outros equipamentos. Quando regressa é uma outra pessoa. Mais completa. Mais útil à empresa onde trabalha. Se ficarmos sempre fechados num determinado universo ficamos burros. Não aprendemos nada.

“ O meu universo não é a preto e branco”

Criou um blog a propósito deste álbum ”Um e os Outros” (http://umeooutro.blogspot.com) e interage com o público dessa forma. Ao fim de tantos anos de exposição mediática não sente necessidade de se resguardar mais? Nunca posso considerar que as pessoas estragam o meu universo. Elas estão no meu universo. A exposição mediática é normal. Eu quando faço um trabalho não o faço só para mim, gosto de o partilhar com os outros. Como aparece o blog? Este blog surge associado a este disco. Estou a tentar que seja um ponto de encontro. Não tinha as coisas muito organizadas, não sabia muito bem como estava a ser recebido o meu trabalho e através do blog fiz um apelo para me fazerem chegar essa informação. Depois comecei a tentar explicar como foi o processo criativo. Como foram feitas as canções. Vai recebendo comentários e responde a muitos deles. Tem alguém para lhe fazer isso? Eu é que respondo e faço a gestão do Blog. É uma ferramenta de comunicação que eu não sabia ser tão versátil. Estou a gostar da experiência. Como vai a divulgação ao vivo do seu CD? Depois da polémica sobre os concertos no Norte eles começam a surgir. Temos Coimbra, o Rivoli no Porto. Mas é preciso esperar que o Verão passe. É preciso tempo e cabeça. Eu também estou habituado a que as coisas tenham outro ritmo mas tenho que ter paciência. Em Junho o país vai parar por causa do campeonato do Mundo de futebol. Não há pedidos para concertos, está tudo a ver a bola. Também vai ver a bola? Claro! No Blog explica o processo que levou ao Fado do Encontro. Quem ouvir o tema com atenção percebe que leva o fado para o caminho dos blues. O fado é a nossa forma de cantar blues. Eu não sou mestre de Blues mas a Mariza cantou Blues durante algum tempo e o Mário Laginha toca muito bem blues. Eu que já estou habituado a juntar músicos de projectos diferentes, de áreas diferentes, fiz a ponte entre um músico da área erudita, uma cantora com o perfil das grandes intérpretes, o fado e os blues. No caso da “Estrela do Mar” do Jorge Palma que também incluiu no CD Estrela do mar tirou-lhe o piano da entrada. A introdução da música é a criação de um ambiente para que o cantor conte aquela história. Ali é de uma história que se trata. Eu senti que sendo eu a cantar - a contar - a história, não fazia sentido estar a fazer o que o Jorge Palma faz. A vestir a roupa dele. Arranjei maneira de transpor aquilo para a guitarra e dar-lhe um ambiente de conto de fadas. Eu e o Jorge somos diferentes. Ele é muito forte. Bebeu noutras fontes. É uma espécie de Eu o meu instrumento e a minha poesia transformamos o mundo. Eu tenho uma visão mais colorida das coisas. Não é tudo a preto e branco. Há outras nuances.

O Engenheiro agrónomo que não simpatiza com “nabos”

Está a viver há oito anos em Rio Maior. O campo abriu-lhe outros caminhos criativos? Nasci no campo, no Alentejo, estudei Agricultura, estou habitua-do a ir para o campo e ter outros horizontes. Não me dei nada mal aqui. E consegui arranjar maneira de continuar a produzir música aqui. Mas não vou fazer uma música diferente porque estou naquele sítio. É a minha cabeça que manda, não é a paisagem nem o ar do campo. Como é que aparece em Agronomia, não tinha média para o curso que queria? Nada disso. Fui para Agronomia porque queria ir para Agronomia. Em 1979 aconteceram quatro coisas importantes na minha vida. Comecei a tocar com os Xutos& Pontapés, entrei para Agronomia, fiz exames para o conservatório e entrei para a classe de contrabaixo e comecei a namorar a pessoa com que casei. Com os Xutos toda a gente sabe o que se passou. O namoro deu em casamento. O Contrabaixo e a agricultura? O contrabaixo só foi retomado aqui na Escola de Música de Santarém. O curso foi até ao fim mas não foi fácil. Havia dias em que saía dos concertos para os exames e outros em que saía dos exames para os concertos. Podia ter abandonado o curso a meio. Porque não o fez? Na altura não sabia ainda que os Xutos iriam ter sucesso. Além disso os meus pais tinham feito muitos sacrifícios para eu estudar e acabar o curso também era uma forma de mostrar reconhecimento. Não lhe puxa para a agricultura de vez em quando? Nunca sonha comprar um tractor, por exemplo, para lavrar as terras? Não. De maneira nenhuma. Quando quero a terra lavrada peço a um senhor para ir lá com o tractor. Nunca semeou uma batata? Não corta a relva do jardim? A relva corto e trato do jardim, mais nada. Como vai a cultura dos nabos em Portugal? Portugal é um país muito pouco interessado. Dá pouco valor a si próprio. Não gosta de se educar, de se cultivar. Não gosta muito de fazer esforço. Vamos atingindo algumas coisas porreiras, de vez em quando e isso basta-nos. E se o óptimo é inimigo do bom, então um suficiente mais é maravilhoso. Já não queremos ir mais longe, estamos todos satisfeitos. A nossa filosofia é esta, aquilo não correu bem mas também não correu mal. Depois, quando acontecem algumas coisas piores já nem se pensa no bom, qualquer coisa serve. Um sofrível menos serve. Vamos desleixando e depois temos uma data de coisas mal feitas. Mas não nos preocupamos. Há sempre um campeonato de futebol, uma Nossa Senhora de Fátima … Na sua qualidade de engenheiro agrónomo não acha que é altura de introduzirmos no país uma cultura alternativa? Era fundamental. Mesmo as pessoas que são boas e capazes para certas coisas acham-se boas para tudo. Costuma dizer-se: “Quem te manda a ti sapateiro tocar rabecão”, só que aqui os sapateiros não se limitam a tocar rabecão, tocam tudo. E desafinam… Desafinam e de que maneira. Costuma ir à feira da Agricultura? Já fui muitas vezes. Umas vezes fui lá tocar mas a maior parte da vezes como simples visitante. Quando era mais novo ia regularmente. Desde que aqui estou tenho ido menos. A mudança para o CNEMA pode ter sido boa para os expositores e para toda a gente, mas para mim, que era um visitante sem grande interesse em fazer negócios, achei que ficou menos atractiva. Gostava mais do ambiente no antigo local. O que vai ver? Gosto de ir ver o gado e as máquinas. O resto não me interessa muito. O Picasso dizia que é necessário muito tempo para se aprender a ser jovem. Como vai a sua aprendizagem? Ainda está no princípio. Tenho 46 anos. De acordo com essa máxima do Picasso ainda tenho muito a aprender para conseguir ser jovem. Mas acho que tenho sido um aluno aplicado.

“Quando trilho caminhos diferentes estou a lutar para ser melhor “

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