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Formado na escola da vida

João Salvador é um apaixonado pelo desporto, pelos animais e pela família

Quase a completar 77 anos, João Salvador continua em grande forma. Faz ginásticas todos os dias e adora tratar da bicharada que tem no quintal. Só aves são mais de quatrocentas.

Filho de peixe sabe nadar. E João Salvador fez jus à sabedoria popular. Filho de um dinâmico comerciante da Quinta do Falcão, nos arredores de Tomar, cedo se apercebeu que tinha veia para o negócio. Estudou apenas até aos 12 anos - tem o segundo ano industrial incompleto, como faz questão de sublinhar - e fez-se à vida rumo a Lisboa como aprendiz de pastelaria. Em Agosto faz 77 anos, mas lembra-se como se fosse hoje do dia em que, aos 15 anos, já na pastelaria Primorosa em Tomar, recebeu a fabulosa quantia de 18.700$00 como comparticipação dos lucros.Não passou muito tempo de volta dos bolos, embora tenha dado para aprender umas receitas. Tomou conta do negócio do pai e começou a extrair e vender areia do rio Nabão. Entrou no mundo da construção em Lisboa e começou a ganhar bom dinheiro.Não tem nada contra a expressão “pato bravo” mas considera que os “três ou quatro prédios” que fez em Lisboa não justificam a colagem do epíteto à sua pessoa. “Aquilo não me dizia nada”. E preferiu regressar ao Ribatejo para investir o que ganhou.O 25 de Abril estragou-lhe alguns planos no mundo dos negócios e desfez algumas simpatias políticas. Tinha afinidade com o PCP, até por achar que os trabalhadores mereciam uma justa compensação pelo seu esforço. Mas após a revolução chegou a correr com sindicalistas à mangueirada “quando queriam tomar as empresas de assalto”.Por essas alturas decidiu também contribuir para a projecção nacional do futebol do União de Tomar. Os astros do Benfica Eusébio e Simões estavam em fim de carreira e aceitaram jogar com a camisola rubro-negra dos nabantinos, então na segunda divisão. A aventura, diz, custou-lhe 45 mil contos de que nunca teve retorno.Pelo meio, teve também altos e baixos nos negócios. A falência da papeleira Matrena, onde havia apostado, causou-lhe um rombo na tesouraria difícil de esquecer. Voltou sempre à tona. Hoje emprega mais de 500 funcionários nas suas várias empresas. Extrai areia, fabrica manilhas e asfalto, é um nome respeitado no sector das obras públicas. Tem urbanizações em Tomar, Entroncamento, Lisboa, Castanheira do Ribatejo, Santarém.Aos setenta anos julgou ser altura de se afastar um pouco da vertigem dos negócios. Queria ter mais tempo para ir até ao Brasil, aproveitar o sol e a praia de que tanto gosta. Pretendia dedicar-se com ainda maior empenho ao pequeno zoológico que tem na casa da Venda Nova. As coisas não correram como pensava. Decidiu reassumir poderes que delegara em familiares e colaboradores próximos. É no meio dos melros azuis, dos periquitos, dos patos, dos pombos, das rolas e de outras espécies mais ou menos exóticas que passa parte dos seus tempos livres. O terreno junto à sua moradia está ocupado por duas capoeiras gigantes. Espaços envoltos em rede, onde as cerca de 400 aves e alguns porquinhos da Índia vão convivendo.Gosta de comer pouco mas bem. Mantém a forma praticando ski aquático na albufeira do Castelo do Bode, onde tem casa e onde vai com muito mais regularidade (até devido à distância) do que às moradias que tem na Nazaré, Lisboa ou Algarve.Ainda dá uns toques no futebol de salão “com a rapaziada” e a ginástica e a sauna matinais, na sua casa da Venda Nova, ajudam a eliminar gorduras e a enrijecer músculos. É com um orgulho mal dissimulado que confessa pesar menos do que quanto tinha 15 anos. “Sinto-me tão bem agora como quando tinha 45 anos. Diria mesmo que estou melhor”, confessa.Apreciador de um bom vinho, escolheu um cabernet sauvignon chileno para o almoço com os jornalistas de O MIRANTE. É o sócio número três da Adega Coo-perativa de Tomar. Um estatuto que vem do tempo em que ainda tinha vinhas. Acabou com essa cultura. “Só me dava chatice e não me dava rendimentos”.Católico não praticante, afirma que cada um tem a sua missão a cumprir neste mundo consoante a capacidade que lhe é dada. Por isso não responsabiliza todas as pessoas da mesma forma. E é mais exigente consigo que com os outros. “Os outros podem errar. Eu não” – é uma das suas máximas.Em Novembro faz 50 anos que casou com Lucelinda, conhecida familiarmente por Linda. A festa vai juntar o baptismo da primeira bisneta do clã. A descendência de João Salvador continua a escrever-se no feminino. É pai de uma filha e avô de duas netas. Nota-se que é um patriarca orgulhoso.Vive na Venda Nova mas é na Quinta do Falcão, noutro ponto do concelho, que tem as suas raízes. De que não se esquece. Ajudou a fundar um clube desportivo que, nos seus tempos áureos da sua equipa de futebol, com João Salvador como atleta, “chegou a vencer o União de Tomar”. O campo de futebol era num terreno do seu pai, que não deu autorização para arrancar duas oliveiras que os jogadores também tinham de fintar.“Uma vez fomos jogar a Cernache do Bonjardim e até fomos recebidos pela banda de música da Viação Cernache”, recorda com um brilhozinho nos olhos. Tal como quando nos mostra taças ganhas em provas de natação ou de tiro aos pratos. Hoje joga sozinho snooker à noite “para descontrair”, na mesa que tem no rés-do-chão da sua vivenda. Porque o mundo dos negócios continua a ser a sua vida. E a outrora ambicionada reforma ficou adiada sabe-se lá até quando.

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