uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante

O vício do trabalho

Queria reformar-se aos 70 anos mas não conseguiu

O pai tirou-o da escola aos 12 anos quando soube que faltava às aulas para andar de bicicleta.

A que se deve o seu sucesso como empresário?Tudo o que tenho hoje devo-o a mim, que comecei do nada. Deixei a escola e fui trabalhar para Lisboa como aprendiz de pasteleiro. Regressei a Tomar para me empregar na pastelaria Primorosa. Ganhava 10 escudos por dia mas tinha também uma comissão de 20 por cento nos lucros. Ao fim do primeiro ano recebi 18 contos e setecentos da parcela de lucros que me cabia. Era muito dinheiro na altura, ainda mais para quem tinha só 15 anos.O que fez ao dinheiro?Entreguei-o ao meu pai. Naquela altura eram os filhos que trabalhavam para a casa, hoje é ao contrário. O meu pai podia ter-me dado duzentos, trezentos ou quinhentos escudos, mas ficou com todo o dinheiro. Não digo que ele tenha feito por mal, se calhar foi para me castigar por eu ter deixado a escola. Era um homem de muito rigor.Porque começou a faltar às aulas?Por causa da brincadeira. Éramos um grupo de quatro ou cinco cujos pais não os acompanhavam até à escola. Por isso em vez de irmos para lá íamos para o Convento de Cristo andar de bicicleta. E foram descobertos…Quando fomos descobertos os outros tiveram mais sorte que eu. Tinham pais mais moderados, talvez mais compreensivos. Eu saí da escola e fui trabalhar.É quase um autodidacta.Quando estive em Lisboa estudei dois anos à noite. Ainda aprendi alguma coisa.O resto é intuição?A intuição é importante, mas acho que as coisas funcionam bem quando se sabe o que quer. Por exemplo, num discurso o melhor é dizer o que se está a pensar, não inventar. Inventar às vezes estraga o discurso. É por isso que quando eu falo gosto que os outros me ouçam.Os empresários hoje têm a vida mais facilitada que quando começou?Não diria mais facilitada. Hoje os empresários têm à sua disposição meios que eu na altura não tinha mas também uma concorrência muito maior.Quando é que um empresário sente que chega a altura de passar o testemunho?Quando cheguei aos 70 anos achei que era a altura certa. Comecei a delegar mais nos meus funcionários, na minha filha e no meu genro. Tentei ensinar-lhes, encaminhá-los para algumas coisas, mas por vezes as pessoas, especialmente os formados, têm de ver para crer.Acham que sabem tudo?É mais ou menos isso. O que aconteceu é que a empresa ressentiu-se pelo facto de algumas pessoas passarem a acumular funções às que já possuíam.E o senhor teve de segurar o barco…Exactamente. Eu que tinha pensado aos 70 anos começar a concretizar alguns sonhos pessoais, a ir até à praia, a tratar de outras coisas, tramei-me. Porque paguei as favas da minha decisão e tive de remediar alguns erros que estavam a ser cometidos e repor algumas situações que entretanto tinham acontecido na empresa. E agora?Agora enquanto puder não penso em reformar-me. Até porque nós temos o vício do trabalho. Eu dizia que me reformava mas ia só ter mais algum tempo para fazer outras coisas, não deixava de cá vir.

Mais Notícias

    A carregar...