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“Comi o pão que o diabo amassou”

“Comi o pão que o diabo amassou”

Alder Dante e as confissões de um “homem discreto” que adoptou Almeirim como segunda terra

Chegou a ser procurado pela Pide quando era militante comunista antes do 25 de Abril. Após a revolução desiludiu-se com a política por não suportar oportunistas. Alder Dante, o professor disciplinador e o árbitro autoritário de outros tempos, leva hoje uma vida discreta consagrada à família.

Como é que veio parar a Almeirim?Morava em Évora e os meus sogros em Abrantes. Não queria ir com a minha mulher, que também é professora, para junto dos meus pais nem para perto dos meus sogros. Por isso escolhemos uma zona equidistante. Vim para Almeirim em 1967.Quando chegou tinha consciência que era nesta terra que ia fazer a sua vida?Sim. Tanto que comprei logo uma casa. Nunca ambicionei viver em grandes cidades como Lisboa ou Porto, embora em termos de arbitragem sejam mais importantes no país.Almeirim é a sua segunda terra?É a terra que adoptei. Apesar de ter vivido poucos anos na minha aldeia há sempre uma certa nostalgia pela terra onde nasci. Há também outra localidade que me marcou muito e que foi Peniche, onde dei aulas aos filhos dos pescadores. São pessoas com uma sensibilidade extraordinária desde que se saiba conviver com eles.Como é que foi a sua infância?Os meus avós eram trabalhadores rurais, tal como o meu pai que depois se inscreveu na GNR e foi para Lisboa. Não tínhamos água canalizada. Comíamos pão duro. O meu pai estava na guarda e à noite estava a tirar o curso comercial e foi progredindo na carreira até primeiro-sargento. Comemos o pão que o diabo amassou. Onde conheceu a sua mulher?No magistério em Évora, onde estudávamos.Almeirim tem-lhe dado o valor que merece?Nunca procurei que alguém me desse valor algum. Procuro viver o mais discreto possível. Por exemplo: muita gente em Almeirim ainda hoje tenta adivinhar qual é a minha simpatia clubista. E qual é?Cheguei a filiar-me no Lusitano de Évora. Tenho um orgulho enorme em ser alentejano e até digo por brincadeira que sou presidente da frente de libertação do Alto e Baixo Alentejo. Sabem o que é que representava o Lusitano na primeira divisão? O Sporting nunca lá ganhou. E tenho uma certa predilecção pelo verde. Alguma vez foi convidado para entrar no mundo da política?Fui e dei o meu apoio pelo PCP em Almeirim.Tem simpatia pelo partido?Tinha! Cheguei a ser filiado. Foi a queda do muro de Berlim que o afastou?Já tinha saído do partido anos antes. Mas já depois do 25 de Abril. Aliás, nessa altura vi uma série de oportunistas. Hoje quem se mete nos partidos políticos ou no futebol não vai à procura de idealismos, mas de tacho. Agora vou vivendo das canções de luta que vou ouvindo do Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, das poesias do Ary dos Santos…Era uma pessoa revoltada? Continuo a sê-lo.Um revoltado passivo, que não participa na política?Se fosse assim não estava a dar estas opiniões. Mas não me envolvo em manifestações. Por exemplo, está uma fábrica para fechar aqui bem perto e os trabalhadores estão a dar uma ajuda ao fazer greve.Está a falar da Opel da Azambuja?Todos têm o direito de fazer greve, mas não por dá cá aquela palha. Por exemplo, os professores foram fazer greve por um comunicado da ministra. Os sindicatos da educação pensaram nos outros trabalhadores que têm os filhos nas escolas? Que cooperação há entre os diversos sindicatos para não beliscarem os direitos dos outros trabalhadores?Quer dizer que não é um corporativista?O problema hoje é que muitos em vez da inteligência usam os conceitos estandardizados. O trabalhador ainda não se apercebeu que existem muitos sindicalistas que não fazem nada e não conhecem as realidades das fábricas, das empresas. Antes do 25 de Abril também participava na luta do PCP?Havia aqui em Almeirim uma célula do partido numa tipografia, onde aprendi a compor, e a partir da qual se fazia a distribuição clandestina da propaganda do partido. Uma vez a Pide (polícia política do antigo regime) andou à minha procura na escola onde dava aulas.E chegou a ser preso?Na altura não estava em Almeirim. O director da escola disse-lhes que se lhe perguntassem se eu era bom professor que podia responder, mas sobre política não sabia de nada.Qual era a sua participação no partido?Falar com as pessoas.Ganhou essa consciência política ainda no Alentejo, quando era jovem?Ganhei com as necessidades por que fui passando na vida. Como é que agora ocupa o tempo?Com os meus três netos e numa empresa de abrasivos que tenho com os meus dois filhos, em Alpiarça.“Os professores têm de dar o exemplo”Alder Dante era conhecido em Almeirim como professor e a nível nacional como árbitro de futebol de primeira linha. Qual das duas facetas se cola melhor à sua pele?São duas coisas distintas. A expressão que eu utilizava, de ser um árbitro rural, tem a sua razão de ser. E acrescentava sempre: com muito sebo nas costas…Porquê essa expressão?Como sabem o sebo é escorregadio. Normalmente no futebol dão-se muitas palmadinhas nas costas. E eu tendo sebo nas costas a mãozinha que me dava a palmadinha escorregava.Era uma pessoa insubmissa?A minha alcunha na arbitragem, foi o senhor Vítor Correia que me a pôs, era o Tolan. Era o nome de um barco que naufragou no Tejo em Lisboa e ninguém era capaz de o virar.Como professor tinha também uma imagem de autoridade e de alguma severidade.Hoje temos aí os resultados da falta disso a que chamam severidade. Para mim continua a haver, dê-se as voltas que se der, três princípios fundamentais na educação e nas escolas: pontualidade, hábitos higiénicos e disciplina.Não transigia nesses aspectos?Não transigia nesses aspectos mas havia um pequeno pormenor: o primeiro a dar o exemplo era eu. O professor não pode exigir pontualidade se não estiver na escola à hora da entrada. Não pode ser um indivíduo que agarra num papel ou numa ponta de cigarro e atira para o chão. E tem que ser disciplinado nas suas atitudes. Se não o fizer, tudo isto vai ruindo.Os professores hoje não são assim tão rígidos porque não querem ou porque não podem?Pelas duas razões. E também ainda não percebi qual é a qualidade e a intensidade dos programas. E não me venham com histórias de que hoje temos os computadores, porque eles só lá têm o que lá pomos. Eu exigia primeiro que tudo, na matemática, a memorização da tabuada. Porque tem de haver exercícios para desenvolvimento dessa memorização. O que é que se passa hoje na educação?Os pais querem calar os filhos com dinheiro. Delegam a educação nos professores, mas estes também não estão para isso porque ao mínimo problema os pais insultam-nos e agridem-nos. Puxava as orelhas ou dava reguadas aos seus alunos?Sim.
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