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“Não tenho nenhum apito dourado”

“Não tenho nenhum apito dourado”

Antigo juiz diz que no mundo da arbitragem não há amigos
Recentemente houve a apresentação do livro do ex-árbitro Jorge Coroado em Almeirim. Porque não esteve presente?Uma pessoa veio convidar-me, mas depois de saber quais eram as pessoas que iam participar dei a entender que não estava interessado. Mais tarde a mesma pessoa veio a minha casa para me convencer e tive que lhe dizer redondamente que não. Que dos apitos que tenho nenhum é de ouro ou dourado. São de latão e de plástico.Acompanha o que se passa na arbitragem?Tenho seguido a actividade. Todos os anos contacto 17 ou 18 árbitros internacionais de todo o mundo. E há muita coisa que escapa aos jornalistas desportivos portugueses. Ainda ninguém indagou porque é que tínhamos dois árbitros no top classe da UEFA, que fazem jogos da liga de campeões europeus, e neste momento já lá não estão. Porque é que Santarém não tem árbitros na primeira liga?Faltaram figuras de proa para que as entidades superiores tivessem algum respeito pelas pessoas e pelo passado delas. E a arbitragem nacional não tem observadores que tenham sido árbitros internacionais. Nunca vi um soldado a mandar num general. E o que vemos é árbitros do distrital a observar os colegas de escalões superiores. Isso tem implicações…Hoje quem perde um lugar de topo na arbitragem perde muito dinheiro. Nunca foi convidado para ser dirigente da arbitragem distrital?Ainda há pouco tempo me convidaram para uma lista mas disse-lhes logo o que eles queriam. O primeiro-ministro trabalha com uma equipa escolhida por si. Na arbitragem enquanto não for o indivíduo escolhido ou eleito para dirigir a escolher as pessoas com quem vai trabalhar e em quem tem confiança não se vai a lado nenhum. Como é que o sector devia funcionar? Tenho um projecto que aponta para a existência de 13 elementos no conselho de arbitragem, para não haver empates na hora de votar. O presidente tem que ser uma pessoa de prestígio, mas não obrigatoriamente árbitro. Os restantes elementos dividem-se por quatro comissões para nomeações de árbitros. Uma delas itinerante com a missão de contactar as várias comissões distritais para as leis não serem aplicadas de maneira diferente. Qual é então o problema da arbitragem?Os árbitros hoje andam ao Deus dará. Se os puser a votar, eles não votam naqueles que sabem que lhes vão pedir responsabilidades. Hoje ninguém chama os árbitros à razão.O que é que isso origina?Actualmente os árbitros são uns “caseirões”, com algumas excepções. Veja-se os cartões que são mostrados aos jogadores que vêm de fora e aos que jogam em casa. “Na arbitragem não há amigos”Era considerado um árbitro disciplinador e autoritário.Nunca tratei dentro do campo algum jogador por tu. E muito menos utilizava expressões como vai para aqui ou vai para além.E os jogadores tratavam-no do mesmo modo?Um jogador que me fizesse isso ia imediatamente para a rua. Foi o que aconteceu numa final da Taça de Portugal com o Valdo, num Benfica-Belenenses. O jogador do Benfica foi para a rua por utilizar uma linguagem dessas comigo. Que eu não tinha com ele nem com ninguém. Embora saiba que há árbitros que a têm.Na arbitragem não foi alvo de tentativas de suborno?Não, não, não. Houve uma vez, num jogo que fui fazer no Norte, em que o dirigente de um clube, que tinha empatado, chamou-me. E como era uma truta grande, que ainda é, virei-lhe as costas e comecei a assobiar. Os meus fiscais de linha riam-se porque já conheciam a minha maneira de ser. Ele queria-me pôr as mãos nas costas, mas as minhas têm muito sebo.Também houve a história de um dirigente desportivo que andou aqui em Almeirim à sua procura. Lembra-se disso?Não foi comigo que a história se passou. Contaram-me também. Quem me contou era funcionário camarário. E essa pessoa terá dito a esse dirigente desportivo que veio do Norte para não fazer uma coisa dessas porque saía daqui todo amachucado. E estava sujeito a isso…Alguma vez ficou retido na cabine devido à ira do público?Alguma vez? Perguntem-me é as vezes que não fiquei. Montes de vezes que tive de sair acompanhado pelas autoridades.A sua mulher também o acompanhava aos jogos?Muitas vezes era ela que tirava o carro do estádio. Nalgumas delas enquanto eu saía com a Polícia ou a GNR. Isso aconteceu por exemplo num jogo Porto - Sporting. Dessa vez havia um colega árbitro que estava a ouvir a estratégia que estava a ser delineada para me tirarem do estádio e que ia depois transmitir lá fora aos adeptos. Vejam as amizades…Qual era a sua relação com a comunicação social?Era boa. Uma vez até saiu num jornal desportivo nacional uma entrevista sem eu nunca ter falado com o correspondente no distrito que a escreveu.Ainda há cavalheiros no futebol?Poucos. Os dirigentes desportivos num mês estão bem e no outro a seguir já não se podem ver. A coerência deve ser permanente. Teve de se pôr ao alto com algum jogador para impor a sua autoridade?Ao alto não. Mas nunca recuava. Uma vez num jogo da primeira divisão num estádio grande, assinalei uma grande penalidade, veio o capitão de uma das equipas a correr para mim. Eu dei um passo em frente, tinha 1,82 metros, como tenho, não era nada meigo e ele chocou comigo e caiu de costas. Devia estar à espera que eu recuasse…Arranjou inimigos no futebol?Arranjei-os como árbitro e depois como comentador arbitral. Há uma grande rivalidade nesse meio?Aparentemente são todos amigos. Na realidade ninguém é amigo de ninguém.Há muitos interesses em jogo?E agora muito mais, quando o prémio de jogo na primeira divisão é superior a muitos ordenados.Fala-se muito na corrupção na arbitragem, mas casos palpáveis são poucos. O único que comeu de alto abaixo foi o Francisco Silva.E havia mais quem merecesse comer.Isso não sei. Mas há um ditado que diz que todo o pássaro come trigo e só o pardal é que paga. E outro que diz que quem chibos vende e cabras não tem de algum lhe vem. Eu via e vejo pessoas com um nível de vida acima das possibilidades daquilo que aparentemente os empregos lhe podem oferecer. Já o meu pai me dizia: Deus manda ser bom mas não manda ser parvo.Na sua opinião porque é que as coisas não são esclarecidas?(risos) Houve um ex-colega meu que escreveu um livro há pouco tempo. Fala de várias pessoas mas quando chega aos tubarões não nomeia nenhum porque diz que não quer arranjar mais inimizades.Porque é que o senhor não escreve também um livro?O livro que eu escreveria já está todo escrito. Ninguém acredita nele. Está escrito em Gondomar, está escrito noutros lados. Não sei com que tinta é escrito. O que é certo é que se vai diluindo e quando é para chegar a certas pessoas… Só vi uma pessoa que pôs o nome aos bois, que foi o ex-presidente do Sporting Dias da Cunha. Como é que se pode mudar o futebol se as pessoas que lá estão são as que trouxeram o futebol para este estado?Não tem pena que o seu filho não tenha seguido a arbitragem?Eu é que lhe tirei isso da cabeça. Disse-lhe para não ir por esse caminho, que não leva a lado nenhum.É mesmo uma pessoa desiludida com esse mundo?Não sou nada desiludido, sou pragmático. António Palmeiro João Calhaz
“Não tenho nenhum apito dourado”

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