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Um comunista com predilecção pelo verde

Um comunista com predilecção pelo verde

Alder Dante, o professor e árbitro alentejano que fez de Almeirim terra adoptiva

Alder Dante veio do meio rural e tem “muito sebo nas costas”. Uma expressão utilizada várias vezes para sublinhar que nunca foi fácil porem-lhe a mão em cima.

No liceu de Évora baptizaram-no como “Zé Careca” porque andava sempre com o cabelo cortado à escovinha. Imposição do pai, militar da GNR oriundo de família de trabalhadores rurais, que lhe incutiu a veia disciplinadora e os princípios de rectidão que o continuam a orientar ao longo da vida.O sentido de justiça e a pontualidade são duas características marcantes deste homem que vive desde 1967 em Almeirim mas ainda carrega o sotaque alentejano que o liga às origens na aldeia de Venda, concelho de Alandroal, onde nasceu há 66 anos. A assumpção das raízes leva-o a auto-intitular-se com humor presidente da Frente de Libertação Nacional do Alto e Baixo Alentejo. Militante comunista antes do 25 de Abril, confessa-se “desiludido com os oportunistas”. Há muito que não tem participação activa na vida política. Vai “alimentando a alma” com músicas de Zeca Afonso, de Adriano Correia de Oliveira e com os poemas de Manuel Alegre e Ary dos Santos, entre outros.Na sala onde Alder Dante nos recebe, num apartamento de rés-do-chão no centro de Almeirim, duas vitrinas cheias de pequenas recordações remetem-nos para a faceta que o tornou conhecido a nível nacional até final da década de oitenta. Galhardetes de clubes, apitos e outros artigos dão conta da dimensão da sua carreira na arbitragem.Aposentado do ensino primário há cerca de 12 anos, é cáustico quanto ao mundo de futebol. Desiludido? “Não. Pragmático”. Porque nunca teve ilusões sobre os jogos de interesses que se vivem nesse meio. Garante que nunca foi corrompido, embora admita que alguns possam ter pensado em tentá-lo.Só que Alder Dante veio do meio rural e tem “muito sebo nas costas”. Uma expressão utilizada várias vezes para sublinhar que nunca foi fácil porem-lhe a mão em cima.O cabelo relativamente comprido que usa dá-lhe um toque de rebeldia que condiz com o discurso. Veste-se informalmente, calças de fazenda verdes, camisa de manga curta creme. A voz é sonora, própria de quem passou uma vida a falar para crianças em tom que se ouça. Emprega muitos adágios populares. “Deus manda ser bom, não manda ser parvo” é um dos seus preferidos.Um homem de famíliaNa parede da sala, uma caricatura sua com a assinatura do cartoonista Francisco Zambujal rivaliza com fotografias de família. É casado, tem dois filhos e três netos. A sua cumplicidade com a esposa, que o ajuda a recordar alguns pormenores da sua carreira para esta entrevista, é evidente. Acompanhou-o para muitos jogos e ainda há pouco mais de um mês foi com ele para o Torneio de Toulon, em França, onde Alder Dante esteve como embaixador da Associação de Futebol de Santarém. Com a filha, o filho e o genro tem uma empresa de telas e abrasivos em Alpiarça. E gosta de estar com os netos, com quem ocupa parte do seu tempo livre.Apesar de ser oriundo de uma família com poucos meios, os pais deram-lhe possibilidade de tirar o curso do magistério primário em Évora. No primeiro ano que deu aulas, na capital alentejana, teve uma turma com 54 alunos e quatro classes. Depois seguiu para Lisboa para prestar serviço na Polícia Militar. A robustez física que lhe confere os seus 1,82 metros ajudou. Foi mobilizado para Angola. Aí prosseguiu também a carreira paralela de futebolista que tinha iniciado no Lusitano de Évora. Jogou a médio no Atlético de Luanda e Futebol Clube de Cabinda. De regresso à metrópole, foi professor em Peniche, zona que ainda hoje visita com frequência e onde comprou casa na Areia Branca. Jogava ao mesmo tempo no Nazarenos e foi nessa altura que começou a tirar o curso de árbitro em Leiria, que lhe permitiu tornar-se conhecido no meio futebolístico.Em termos de preferências clubísticas, um tema tabu para os árbitros, encolhe-se um pouco. Confessa-se “militante” do Lusitano de Évora e, depois de alguma insistência, diz ter “alguma predilecção pelo verde”. A cor da esperança que não tem relativamente ao futebol português. Pelo menos enquanto por lá andarem os mesmos que lá estão há décadas.
Um comunista com predilecção pelo verde

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