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A camarada “Maria”

Gertrudes Paulino, uma das mulheres da resistência antifascista

Gertrudes Paulino, 83 anos, natural de Vila Franca de Xira, é “Maria” para os camaradas. Um dos rostos femininos da resistência antifascista que viveu intensamente a luta pelos ideais do comunismo. Correu Portugal de lés a lés entre disfarces e imprimiu folhetos clandestinos. A fuga ao regime obrigou-a a entregar os filhos aos três e sete anos. Se pudesse, voltava a fazer tudo outra vez.

Chama-se Gertrudes Paulino, mas o seu nome de guerra é Maria. Porquê?O meu nome é Gertrudes Pereira Paulino Silva. Mas fui durante muitos anos Maria. Foi o meu nome dos tempos de clandestinidade. De luta contra o regime. Eu não o escolhi. As pessoas é que começaram a chamar-me Maria. Marias há muitas… (risos)Nasceu em 1923 no coração de Vila Franca de Xira.Na rua principal da cidade onde se faziam as largadas de toiros antigamente. Nasci num prédio de primeiro andar que ali havia com uma taberna por baixo. A minha avó era a proprietária. Depois o meu pai passou a empregado da Casa Coutinho que tinha as casas na Rua Almeida Garrett e mudámo-nos. Morávamos por cima do armazém onde se guardava o milho e o trigo. Hoje funciona lá um banco.O que faziam os seus pais?O meu pai trabalhava num armazém da casa que tinha um negócio de cereais. Tinha também um barco e trazia os cereais de fora de Vila Franca de Xira. A minha mãe era costureira. Fazia fatos para fora. Quem queria aprender costura ia para o pé dela. A minha mãe era uma mulher extraordinária que tinha sempre um prato de sopa para dar a quem precisasse.Como foi a sua infância?Naquela Rua 1º de Dezembro jogava ao aeroplano. Eu e os outros. Antigamente não passava ali um automóvel…Teve possibilidades de estudar?Quando fiz o exame de quarta classe disse à minha mãe que queria ser professora. A minha mãe respondeu-me que para eu o ser os meus irmãos teriam que o ser também. A minha mãe era uma pessoa assim… Na clandestinidade acabei por passar por professora. As pessoas chamavam-me para dar lições aos miúdos. Em casa da minha mãe costumava levar as colegas mais próximas para o sótão e fazia de professora. Perguntava-lhes a elas o que a professora nos perguntava a nós (risos).Não vivia mal. Porque se revoltava?Era mais pelo que via os outros passar…Foi aí que nasceu a “Maria” revolucionária?O meu pai era militante do partido. Foi a pessoa que mais me influenciou. Lia o Avante e levava-o às escondidas. Assim que o descobri comecei a ler também. Foi por essa altura que descobri também a literatura de Alves Redol, Soeiro Pereira Gomes… Ia para a cama e levava os livros. A minha mãe às vezes dormia, acordava e eu ainda estava a ler. Parava de ler quando ela ralhava. Fui a única de seis irmãos a interessar-me pela política. Teria os meus 10 ou 12 anos.Onde é que o seu pai escondia o Avante?Sabia que ele escondia o Avante algures numa gaveta da cómoda. Quando sabia que ele o trazia ia lá buscá-lo para o ler. Nenhum dos meus seis irmãos sabia isso. E uma jovem de 12 anos interessava-se por um jornal como o Avante?Sim, interessava-me. Tinha a luta dos trabalhadores. Já pressentia as injustiças sociais na juventude?A luta dos camponeses da lezíria, por exemplo, tocava-me muito de perto porque a minha mãe ajudava a dar de comer àquela gente toda. Nunca mais esqueci aquela greve dos trabalhadores de Alhandra. Foram todos metidos na Praça de Toiros. Ia também com a minha mãe levar comida aos trabalhadores. A PIDE não lhes dava de comer. Era como estivessem numa prisão. Dali não podiam fugir.Conseguiam entrar facilmente?A polícia facilitava um bocadinho a entrada da comida.Foi o seu primeiro envolvimento na luta?Sim. Depois seguiram-se outras coisas. Colegas de escola que foram presos. Eram coisas que não nos saíam da cabeça. António Tavares morreu muito jovem. Era da mesma rua que eu. Foi preso pela PIDE. Andou na luta. Era operário da Cimento Tejo. Quando veio para casa estava tuberculoso e morreu. Também assisti à luta dos marinheiros. Vieram até à estação de Vila Franca de Xira e até os comboios pararam…O que fazia nessa altura?Andei a aprender de alfaiate. Fazia casacos de homem. Quando eu dizia à minha mãe que gostava de ter um vestido ela mandava-me comprar o tecido. Ia à loja, trazia o tecido, ela cortava e se quisesse tinha eu de o fazer. Era a vida que levava. Ganhava para mim. Para comprar um par de sapatos que custava 150 escudos. Ainda lutámos para formar um sindicato das costureiras. Queríamos ter a certeza de que quando deixássemos de ser costureiras tínhamos uma reforma. Depois fui embora. Não sei como tudo ficou. Porque é que deixou Vila Franca aos 22 anos?Depois convidaram-me para a luta clandestina. E eu fui! Ana Santiago

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