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Trinta anos na clandestinidade

Gertrudes Paulino imprimia jornais clandestinos numa tipografia portátil

A vida na clandestinidade fez com que Gertrudes Paulino estivesse 29 anos sem ver os pais.

Quando partiu para a clandestinidade?Aos 22 anos. O meu contacto foi o senhor do quiosque do Barraquinha [Vila Franca de Xira]. Era um simpatizante pelo partido. Fui de barco pelo Tejo até à margem sul. Lá estava um carro à minha espera para me levar até ao Manuel da Silva. Não a custou deixar tudo?Claro, mas era uma luta… Era uma luta…Estive 29 anos sem ver a minha mãe e o meu pai (longo silêncio)…Os seus pais não sabiam…O meu pai parece que sabia. A minha mãe devia ter a ideia… Toda a gente conversava sobre as dificuldades que se tinham.O que levou nesse dia no barco?Tenho a ideia que não levei muita coisa. Alguma coisa minha para vestir. Mais nada. Partiu para a clandestinidade com aquele que seria o futuro marido…Exactamente. Passávamos por irmãos para a vizinhança…E para onde foi?Fui para o Algarve. São Brás de Alportel, Faro, em 1945. Depois fui para Caldas de Monchique. Conheci aí a Maria Clementina. Passávamos por irmãos. Alguém disse à Maria Clementina que não éramos irmãos porque conhecia a família… Ela avisou-nos e tivemos que cavar. Voltámos mais tarde a S. Brás de Alportel. Nessa altura já tinha a minha filha…Era difícil viver com crianças na clandestinidade?Muito. No Porto a minha filha punha-se à janela. “Mãe, vem aí um polícia!”. Via uma freira: “Mãe, vem aí uma mulher má”. Não sei o que é que ela queria dizer com isso….Tinham consciência da condição dos pais…O meu filho foi com sete anos para a União Soviética. Foi num carro com um casal amigo e outra criança e disse-lhe assim: “Quando for passar a fronteira vou a dormir. Tu se quiseres esconde-te”. Sabiam o perigo que corriam.Custou-lhe ver os seus filhos partir?Era a vida… Era preferível isso a não poderem estudar. Andar com eles de um lado para o outro era perigoso.E a sua filha?Foi para a família para casa de uma tia-avó com três anos. Essa sofreu mais. Ainda hoje é diferente.Via-a com frequência?Não, que a família tinha medo.O que fazia durante a vida clandestina?O Manel [Manuel da Silva] andava sempre por fora a controlar. Eu controlava a casa. Era o meu papel.Imprimam jornais em tipografias clandestinas?Quando o meu filho nasceu estava “O Camponês” montado ao lado, na Rua Vítor Bastos, em Campolide. O jornal tinha a notícia da morte da Catarina Eufémia. Em 1954. A parteira foi lá a casa, mas naquele quarto onde estava o jornal ninguém entrou. Imprimíamos jornais que seguiam para todo o país. Produzíamos uma quantidade deles. O ‘Manel’ trazia o papel fino (tipo bíblia) no carro e distribuía-os.Quem fazia a impressão?Éramos os dois. Fazíamos a composição dos logótipos. Púnhamos a tinta e passávamos com o rolo por cima de uma rede. Normalmente imprimíamos um A4 dobrado. Era uma coisa totalmente manual. Esteve em muitos sítios…Corri tudo do Algarve ao norte. A última terra onde estive foi em Vila do Conde. Aí passei por professora e médica (risos). E morava em frente à cadeia. As pessoas batiam-me à porta. “O meu filho está muito atrasado na escola. A senhora não lhe dá umas explicações”, diziam-me. “Mande vir o rapaz”, respondia. Esteve também lá fora?Ia fazer férias. Fui ver o meu filho várias vezes à União Soviética. Formou-se em engenharia de telecomunicações.Nunca estiveram prestes a ser presos?Não. Sempre consegui um relacionamento muito especial com os vizinhos. Não sei o que é que as pessoas notavam em mim. Regressei a Vila do Conde, a última casa clandestina onde morávamos, e as pessoas diziam-me: nós sabíamos bem quem você era. Tenho a certeza de que se a PIDE andasse à procura os vizinhos seriam os primeiros a avisar-nos.Voltaria a fazer tudo igual?Não sei… Talvez… Hoje é tudo muito diferente. Não estou arrependida das decisões que tomei.

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