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Roubar gasóleo aos militares para transportar alimentos

Roubar gasóleo aos militares para transportar alimentos

Miguel Cardia participou em missão humanitária em Timor
Como é que foi essa missão em Timor?Inicialmente, a missão tinha o objectivo de dar apoio no socorro às vítimas e combater os muitos incêndios que existiam. No terreno apercebemo-nos que havia outras necessidades e começámos a criar condições para as Organizações Não Governamentais (ONG’s) conseguirem levar alimentos às populações que estavam fora de Dili.Tiveram muitas dificuldades?Era uma luta diária. Lembro-me que um dia tivemos de andar a roubar gasóleo nos tanques militares australianos em Dili para conseguir abastecer os camiões que levaram os alimentos para a nossa base em Ermera. Conseguimos mobilizar dois helicópteros para levar os alimentos aos pontos íngremes. Os sacos de arroz, o feijão, as caixas de óleo e outros alimentos eram transportados numa rede suspensa no helicóptero. Foi aí que aprendi a fazer protecção civil a sério.Era uma missão de risco, andavam sempre protegidos por militares?Durante a nossa permanência em Ermera, tivemos connosco o capitão Cardoso Pereira da GNR e éramos praticamente sempre acompanhados, às vezes sem darmos conta, por militares australianos e guerrilheiros das Falintil (Forças Armadas da Libertação Nacional de Timor Leste comandadas por Xanana Gusmão) que nos seguiam para todo o lado.Foi uma missão complicada e que funcionou muito no improviso?Sem dúvida. Recordo-me, por exemplo, que o Rodrigo Mira, ex-comandante dos Bombeiros de Alpiarça (na altura subchefe nos Bombeiros de Samora Correia), recuperou o sistema de iluminação pública de Ermera que colocou a funcionar em poucas horas. Fomos a uma herdade abandonada buscar um gerador que já não funcionava e, com umas baterias, ele conseguiu colocar o gerador a iluminar toda a vila. Curiosamente, a primeira coisa que os habitantes locais pediram foi para manter a igreja da vila iluminada durante toda a noite. Mesmo antes de iluminarem as suas casas.Houve um grande envolvimento e nós procurámos não dar o peixe, mas ensinar a pescar. As pessoas tiveram um papel decisivo na reconstrução da sua vida.Por vezes temos a ideia de que as organizações não governamentais não funcionam de forma organizada nestas missões...O problema é a desorganização e o excesso de burocracia. Muitas das organizações estão no terreno para ganhar dinheiro. Nós, com muito pouco, fizemos muito mais e as populações sentiram isso. Fomos tratados como heróis, as pessoas abraçaram-nos, beijaram-nos e receberam-nos com euforia.A passagem por Timor mudou a sua forma de estar na vida?Em Timor aprendi a dar valor a uma lata de salsichas e a um copo de água. Reforcei o meu sentimento de patriotismo e chorei inúmeras vezes com as manifestações de agradecimento daquele povo. Sinto que me valorizei como homem, aprendi a reagir em determinadas situações. Passei a ser mais tolerante e a ouvir os outros antes de reagir. Foi uma lição de vida de um povo humilde e habituado a sofrer.Em Baucau fundou um corpo de bombeiros?O agrupamento que dirigi teve, depois de Ermera, a missão de criar em Baucau um corpo de bombeiros com 30 elementos que recebeu formação e equipamentos. A partir dos destroços de um edifício destruído pelos indonésios instalámos um pequeno quartel de bombeiros e colocámos o Corpo de Bombeiros a funcionar de forma autónoma. O carro ligeiro de combate a incêndios (um Land Rover) que levámos de Samora Correia ficou lá em Baucau e, pelas últimas informações que recebi há pouco tempo, ainda está a funcionar em pleno. Em 2004 fez o mesmo em Cabo Verde... Costumo dizer por graça que tenho dois corpos de bombeiros afilhados, um em Baucau (Timor) e outro no Paúl (Cabo Verde).Dois casos diferentesO município do Paúl está geminado com Benavente e solicitou ajuda e cooperação na área da protecção civil. Quando lá cheguei em Novembro de 2004 tinham apenas uma ambulância oferecida pelo Luxemburgo e o combate aos fogos nas montanhas íngremes era feito pelos bombeiros de Ribeira Grande, um município geminado com Torres Novas, e com grande dificuldade.A Câmara de Benavente ficou sensível ao problema e foi-me pedido que fosse lá ministrar formação e ajudar a criar o corpo de bombeiros. Durante um mês formei 24 bombeiros. Depois enviámos uma ambulância e um veículo de combate a incêndios, oferecidos pelos bombeiros da Covilhã. O município de Benavente assumiu as despesas de transporte das viaturas que eu próprio fui entregar na cerimónia de promoção dos bombeiros em Junho de 2005.Esses carros estão a funcionar?Tenho a informação do comandante Fernando de que estão a funcionar e têm sido muito úteis para a missão dos bombeiros do Paúl.
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