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As pegadas que acabaram com a pedreira do Galinha

As pegadas que acabaram com a pedreira do Galinha

Empresário conta como a sua vida mudou de um dia para o outro graças a uma estranha descoberta

A antiga pedreira do Galinha, junto à aldeia do Bairro em Ourém, é hoje Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios da Serra D’Aire e Candeeiros. A descoberta no local de trilhos de pegadas de saurópedes com 175 milhões de anos. O achado mudou a vida do empresário da pedra que explorava, Rui Galinha.

Dois dinossáurios verdes e uma grua amarela repousam em cima da secretária no escritório de Rui Galinha. Peças que contam a história passada e presente de um homem que viu uma descoberta científica mudar-lhe a vida.Não fossem uns jovens, interessados em espeleologia, à procura de fósseis na Serra D’Aire ainda hoje Rui Galinha estaria a explorar a pedreira que herdou do pai, no Bairro, limite dos concelhos de Ourém e Torres Novas.Aquela tarde primaveril de 1994 veio mudar radicalmente a vida do empresário e da pedreira que desde sempre foi o sustento da família. Era ali que estava escondido um dos maiores achados do século passado em Portugal – vários trilhos de alguns dos maiores seres vivos que habitaram a terra há milhões de anos – os dinossáurios.São muitas as versões da descoberta. Sentado à secretária onde se destacam as miniaturas de um dinossáurio de cor verde e de uma grua amarela, peças que simbolizam o seu passado e o seu presente, Rui Galinha diz que prefere a que lhe foi contada pela boca do “descobridor” das pegadas, João Carvalho, da Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia (STEA).“Nesse dia, não me lembro já a data, o João andava com outros colegas da STEA, à procura de fósseis na serra. Faziam isso muitas vezes na zona da pedreira, ao final do dia ou ao fim de semana”, conta Rui Galinha.João Carvalho não terá ido pelo caminho habitual. Por causa de um pé partido andava de muletas e teve de circundar a grande laje da pedreira. “Segundo me contou nessa altura o sol estava rasante, quase paralelo ao chão, e ele encontrava-se na parte mais alta da laje. Foi daí que viu o sombreado das pegadas”.Pegadas de dinossáurios saurópodes com mais de 175 milhões de anos. Animais possantes, herbívoros, quadrúpedes de cabeça pequena e cauda e pescoço compridos. Idênticos às réplicas que o empresário tem hoje em cima da sua secretária.Rui Galinha só soube desta história uma semana mais tarde. “Fui praticamente o último a saber das pegadas”, diz o empresário que explorava a pedreira, adiantando que, curiosamente, até era vizinho de João Carvalho. “Eles faziam as reuniões do grupo em casa dele mas não me disseram nada”.um elemento do executivo camarário de Torres Novas foi quem lhe deu a notícia e mostrou fotografias. “Uma tarde o vereador António Carolino chega à pedreira e diz-me: ‘olha, parece que há por aqui umas pegadas de dinossáurios’. Eu respondi-lhe – ‘então vamos à procura delas’, refere Rui Galinha, adiantando que percorreram a pedreira sem ver nada. “Por muito que olhássemos não encontrávamos pegadas nenhumas”.De volta ao escritório esperava-os uma comitiva. “Já lá estavam o João Carvalho e outros colegas, o professor Galopim de Carvalho, director do Museu de História Natural e a arquitecta Maria João Botelho (directora do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros)”. Todos juntos voltaram a subir a pedreira. E aí sim o empresário viu as pegadas e percebeu logo que a sua vida ia ficar marcada por elas quando o professor Galopim de Carvalho se virou para ele e lhe disse que a partir daquele momento deveria considerar a pedreira encerrada. “Eu ri-me e achei que estava tudo doido”, diz o empresário.A pedreira parou mesmo, não nesse dia mas depois de dois anos de duras e atribuladas negociações com o Estado. Hoje está classificada como monumento natural, visitado anualmente por mais de 50 mil pessoas. Os políticos e as pressões“Houve cabeças que rolaram no Governo por causa da pedreira” afirma hoje Rui Galinha. E Cavaco Silva, então primeiro-ministro, pediu a Marcelo Rebelo de Sousa que passasse a pente fino todas as licenças da pedreira. “Queriam ver se me punham a andar sem me dar um tostão”, admite o empresário, adiantando ser fácil encontrar alguma falha numa pedreira situada dentro de um parque natural. Quando se apercebeu do que estava em causa Rui Galinha encomendou à multinacional Ernst & Young um estudo económico sobre a pedreira. Para se salvaguardar.Entre nove e 9,5 milhões de euros (1,8 a 1,9 milhões de contos) foi quanto a empresa de consultoria avaliou a pedreira do Galinha, como era conhecida. Muito distante dos 500 mil euros (cem mil contos) oferecidos dois anos depois da descoberta, quando já era o PS que governava o país.Antes disso, ainda no tempo de Cavaco Silva, “houve muitas histórias”. Histórias saídas das reuniões com os técnicos dos ministérios do ambiente, indústria e finanças. Rui Galinha recorda uma delas.“Antes de ir para uma reunião disse ao meu encarregado que se ela corresse mal, como eu esperava, mandasse os homens começar a furar pedra junto à laje onde estavam as pegadas e contactei também a Imprensa para estar no local à hora certa”.Rui Galinha não se importou de “manobrar” a situação. “Se eles podiam pressionar-me também tinham de perceber que eu tinha armas para ir à guerra”. E perceberam. Tanto que às 11 da noite daquele dia, depois da televisão passar as imagens das máquinas no terreno, elementos da GNR bateram à porta do escritório do empresário. “Queriam ver o que as máquinas andaram a fazer mas eu disse-lhes que sem mandado não entravam ali”. O Governo mudou mas o PS de António Guterres, que na campanha eleitoral até tinha visitado a pedreira prometendo resolver a questão, começou por seguir os mesmos passos do anterior – pressionar, pressionar.“A ministra Elisa Ferreira, que tinha a pasta do ambiente, dizia-me nas reuniões que já tinha mandado classificar a pedreira”, diz Rui Galinha, adiantando que lhe respondia na mesma moeda - “A senhora demora meses a classificá-la, eu demoro segundos a destruí-la”.Hoje o empresário ri-se do valor oferecido por Elisa Ferreira nas primeiras negociações – 500 mil euros. “Mais do que isso paguei eu de imposto sucessório”. Desde aquele valor até ao acerto final de contas mediou mais de um ano. Em Setembro de 1996 empresário e Estado chegam finalmente a acordo. Rui Galinha recebeu 4,5 milhões de euros, com a condição de deixar a pedreira até final desse ano.Onde até há 12 anos se extraía brita para a construção civil está hoje instalado o Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios da Serra D’Aire e Candeeiros. Com um centro de animação ambiental e um jardim jurássico. Uma obra que só existe porque lá antes existiu uma pedreira. A pedreira do Galinha.Margarida Cabeleira
As pegadas que acabaram com a pedreira do Galinha

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