Tratar doentes de quatro rodas
Liana Caldeira, a mulher que se apaixonou pela mecânica por acaso
Curar automóveis é a missão de Liana Caldeira, que não se importa de sujar as mãos e a roupa de óleo para diagnosticar a doença e aplicar a terapia na oficina que tem com o seu marido em Alqueidão, Torres Novas.
Foi o acaso que transformou Liana Caldeira em mecânica de automóveis. Quando há seis anos decidiu abandonar o rebuliço de Lisboa e fixar-se na província, aceitou o desafio do marido e tornou-se sua parceira numa oficina que abriram na aldeia de Alqueidão, Torres Novas. Uma mudança radical, que hoje a faz sujar as mãos de óleo e andar com a roupa mascarrada durante quase todo o dia. Mesmo assim nunca se arrependeu. E garante que já se apaixonou pela profissão. Um ofício que ainda é maioritariamente desempenhado por homens. Facto que não assustou esta mulher, que vê a mecânica como a medicina dos automóveis.“Se entendermos o carro como o nosso doente, não é nenhum disparate compararmos a nossa profissão à de um médico. A nossa função é perceber que problema tem o automóvel e curá-lo. É isso que os médicos fazem com as pessoas, e o que os mecânicos fazem com os carros”, diz Liana Caldeira.Completamente inexperiente na arte de entender “as dores dos carros”, quando abraçou a profissão, Liana admite que não fazia sequer ideia de como é que era composto um carro, nem o que significavam as luzinhas vermelhas que de vez em quando acendiam sem razão aparente. Era “uma ignorante em matéria de automóveis”: “Sabia conduzir, mas não percebia nada de carros”.A vontade de se transformar no braço direito do marido fê-la seguir em frente. O primeiro passo foi receber formação na área da mecânica: “Tive o melhor professor do mundo. Tudo o que sei foi o meu marido que me ensinou. Mas ainda tenho um longo caminho pela frente. Esta é uma profissão difícil que leva muitos anos a aprender. É preciso ter muita paciência e estar muitas horas e observar o trabalho de quem sabe, para depois saber fazer bem”, conta a mecânica.A primeira coisa que aprendeu foi a distinguir todas as ferramentas que existem na oficina: “Isso até nem foi muito difícil. Já sei de cor o nome e a função de cada uma delas”. O pior, assegura, é conseguir interpretar as queixas dos carros. Porque “são tantos barulhos diferentes, que nem o melhor mecânico do mundo consegue percebê-los todos à primeira”.“Mesmo que tenhamos muitas certezas, por vezes há barulhos que nos confundem. Por exemplo, se um rolamento de rodas faz barulho, nós identificamos o problema e fazemos a substituição desse pneu. Só que, muitas vezes, o barulho principal está a esconder um menor. E, por isso, acontece frequentemente solucionarmos um problema e continuarmos a ouvir barulhos estranhos. Se eu substituo uma roda, mas a outra também tem problemas, só no fim é que eu consigo descobrir”.É por isso que Liana Caldeira indica a persistência como uma das principais qualidades de um mecânico. Afinal, o diagnóstico nem sempre é fácil. E é preciso uma certa dose de paciência para identificar os sinais dados pelo doente de quatro rodas: “Quem quiser seguir esta profissão tem de se empenhar e dedicar muito. É preciso gostar e ter força de vontade. Temos de trabalhar constantemente em cima do joelho. É uma adrenalina constante”. O despertador de Liana Caldeira toca antes das seis e meia da manhã e o dia não tem hora marcada para acabar. O telemóvel toca constantemente e os pedidos de auxílio repetem-se, muitas vezes até tarde: “Os carros não escolhem hora para avariar e nós não podemos deixar de responder às chamadas dos clientes. Portanto, temos de estar sempre disponíveis. Tanto podemos acabar o trabalho às sete da tarde como à meia-noite”, conta.Os horários trocados ou a dificuldade em identificar os barulhos dos automóveis não foram o maior problema na adaptação desta mecânica à profissão. Pior que isso, foram os preconceitos que teve de superar: “Ao início as pessoas achavam estranho chegar aqui e dar de caras com uma mulher. Não percebiam muito bem como é que eu podia andar suja de óleo, com as mãos manchadas e as unhas pouco cuidadas. Mas com o tempo foram-se habituando e agora até acham piada”.E para aqueles que catalogam uma mecânica como uma “Maria - rapaz”, Liana Caldeira tem a resposta pronta: “Sou mãe, sou esposa, e também sou mulher. E como todas as mulheres sou vaidosa e gosto de me arranjar. Mas, por acaso, também sou mecânica”. Por isso, na oficina opta por usar calças de ganga e t-shirts confortáveis: “Não uso fato-de-macaco, nem luvas porque não me dá jeito”.Carla Paixão
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