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Trabalhava turno e meio para ganhar o mesmo que um homem

Natevidade Gerardin foi operária da fábrica de tecidos de Alhandra
A sala que se encheu para ouvir o secretário-geral do PCP, na sede da Curpifa, em Alhandra, na tarde de quinta-feira, depressa se esvazia. Enquanto os voluntários da casa arrumam cadeiras e mesas Natevidade Gerardin aproxima-se da porta, com a ajuda de uma bengala.Fala-se em direitos e na perda deles. “Direito à reforma. As pensões não podem baixar”, lê-se no cartaz que forra a parede. Poucos compreenderão melhor que a antiga operária da fábrica de tecidos em Alhandra a importância das conquistas de Abril. A reforma de 223 euros por mais de duas décadas de trabalho na indústria têxtil já está assegurada. Natividade, 82 anos, preocupa-se agora com a geração que se segue.Os turnos da fábrica já estão cumpridos. Mais uns quantos anos de trabalho doméstico por conta de outrem que não foram contabilizados. Natividade até já perdeu a conta. Começou aos 12 anos na rotina da fábrica, como tantas outras mulheres do seu tempo. Faziam horas extra para igualar os vencimentos dos homens. “Percebi isso desde cedo e sempre achei que era uma injustiça”, diz a mulher que trabalhava turno e meio para igualar o ordenado dos homens. “Ganhava 25 tostões por dia”, recorda.As jornadas de trabalho dos melhores anos da sua vida rendem-lhe hoje a parca reforma. A subsistência só é garantida porque ao valor junta-se a pensão do marido.Nos tempos da fábrica a vida não era fácil. Criou os dois filhos com custo. Primeiro na creche da empresa. Depois num colégio que custou à mãe suor e lágrimas. As dificuldades roçavam às vezes a fome. Mas a vontade de vencer foi maior. O filho trabalhava à noite para ajudar a pagar os transportes para Lisboa onde tirou o curso de desenhador. A filha foi aprender Francês, como era o seu sonho. Não voou mais alto porque não quis. João Faria junta-se à companheira das jornadas de trabalho na cintura industrial de Alhandra. Tem 84 anos e 380 euros de reforma. Prémio de quase uma vida inteira de serviço. A razão para participar é a mesma. “Este gesto vale um milhão”, diz com naturalidade. O seu quinhão, ainda que parco, está assegurado. Resta lutar pelos que desconhecem o que é viver sem os direitos que a manhã de Abril trouxe.

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