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Festa acabou

O ilustre presidente da Câmara Municipal de Santarém acaba de marcar pontos importantes na renovação do mandato por parte da força política vencedora nas últimas eleições, e que ele representa. Refiro-me é claro ao recente primeiro Festival Internacional do Alviela de que ele foi o maior impulsionador. A questão do Alviela, que transcende em muito a problemática da poluição, continua, de há quarenta anos a esta parte, a marcar a agenda de políticos e ambientalistas. Apesar da diminuta percentagem de votos que ambos os concelhos, Alcanena e Santarém, arrecadam das populações ribeirinhas do Alviela, e da pequena dimensão territorial do problema, parece que os efeitos colaterais da problemática deste rio (o único rio português a ter nome de rua em Lisboa, diga-se), continuarão a avantajar-se sobremodo aos diminutos votos que disponibiliza. Senão repare-se como tem sido eleitoralmente punida, em ambos os concelhos e freguesias envolvidas, pelo relativo pouco empenho dado a esta matéria, a força política dominante neles nas últimas décadas, desalojada a favor de grupos independentes ou partidos mais perspicazes em cheirar e intuir os tempos e o modo deles. Não é novidade que este século vai ser o do Ambiente mas parece que algumas forças políticas andam distraídas, no distrito de Santarém pelo menos. Agora outra coisa. Diz-se que o Alviela o qual, segundo vozes insuspeitas, ia na boa direcção, direito ao melhor dos mundos possíveis e amanhãs que cantam, de repente arrepiou caminho e voltou ao purgatório da poluição e afins. Afinal o que é que se passa? Passa-se aquilo que era fácil de prever e são duas coisas. Primeiro a má construção, mal dimensionada e em leito de cheia da ETAR de Alcanena (a primeira do país para efluentes industriais), cuja, mercê da má vontade de alguns autarcas, governos, e industriais da região, (também os houve sempre empenhadas em despoluir, como a Inducol p. ex., situada nos Amiais de Cima), demorou quase década e meia a construir (1977-1990), suspensos os trabalhos cinco anos (1980-85) com a maquinaria a ficar obsoleta, se é que alguma a vez o não foi para o corrosivo e ácido efluente de curtumes, um dos mais difíceis de tratar. Entretanto o dinheiro dos contribuintes já estava a pagar sucessivas optimizações de desvairado tipo. Não era por isso necessário ser mais imbecil que os morangos com açúcar para prever a presente situação, ou a que poderá de um momento para o outro suceder se o tanque de lamas colapsar, o que não é de excluir de todo. Sem colectores resistentes ao ácido e ainda por cima obrigados a entupir com as raspas que alguns manhosos derretem com vapor e enviam junto com o efluente, ou não ficam retidos nas grelhas que não são colocadas. Sem fiscalização independente por parte do Ministério (tem falta de meios e por isso um ou outro raro fiscal que por lá tenha passado, fazendo-se anunciar antecipadamente, e depois de copiosos almoços com os poluidores, concluiu que o necessário é haver diálogo e lagosta). Sem respeito pelas cotas de efluente a rejeitar. Carga poluente excessiva, e sempre a aumentar, sobre um meio mais que fragilizado. Inexistência absoluta de estudos sobre o reforço do caudal ecológico do rio proveniente da maior nascente cársica da península, que ainda abastece populações locais e é canalizado para Lisboa.Sobretudo sem leis e tribunais que punam efectivamente os poluidores (industrias de curtumes, suinicultores, aviários, vacarias, e até domésticos),num país onde continua a ser mais caro estacionar em cima de um passeio que poluir um qualquer rio da nação, fazer campanhas contra a poluição e ensinar nas escolas, e televisões, as criancinhas a deitar o lixo nos vidrões, para nas costas delas um marmanjo sem escrúpulos poluir duma assentada a bacia hidrográfica de uma região inteira, sem que lhe aconteça nada a não ser protestos das populações, inquéritos e análises inconclusivas, dá vontade de a gente séria, apanhada já pelo efeito de estafa, muito pior que o de estufa, se dar á paródia. Isto digo eu que devo ser como aquela figura «de aspecto venerando» que Camões diz que malsinava contra a Epopeia fora de tempo, mas a quem a história da descolonização, e matanças anexas, acabaram por dar razão. «E agora, José? / a festa acabou / a luz apagou / o povo sumiu/ a noite esfriou / e agora, José?»Mário Rui Silvestre

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