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O último engraxador de Vila Franca

Luís Filipe Ribeiro ganha a vida numa actividade em vias de extinção

Em Vila Franca de Xira ele é já o único. Atende uma média de três clientes por dia, não chegando a fazer cinco euros, porque hoje já “ninguém liga aos sapatos”.

Numa das esquinas da rua Serpa Pinto, em Vila Franca de Xira, Luís Filipe Ribeiro espera ansiosamente por “sujar as mãos”. São quatro da tarde e eis que chega finalmente o primeiro cliente do dia. “Ó chefe, pode engraxar aqui os meus sapatos?”. O engraxador arregaça as mangas e começa o processo.Depois de colocar a tira amarela que protege as meias da graxa, Luís Filipe Ribeiro começa por escovar os sapatos “para tirar o pó”. O passo seguinte é passar a tinta e escovar, com os cotos. Chega a vez da pomada e, finalmente, com um pano (um pedaço de umas calças velhas) puxa o lustro aos sapatos. “Ora aí está”, comunica o engraxador ao cliente com a satisfação do dever cumprido. Em 10 minutos, os sapatos pretos baços que chegaram às mãos de Luís Filipe passaram a um reluzente par.O engraxador guarda o pagamento – 1,5 euros – e volta à posição inicial e aguarda pelo próximo. Em média atende três clientes por dia, apesar de ser o único engraxador da cidade. Luís Filipe Ribeiro não compreende porque está a cair em desuso engraxar o calçado. “Hoje ninguém liga aos sapatos”, diz resignado. Além disso há também quem ache caro. “Às vezes perguntam quanto é e quando digo o preço dizem que é muito caro e já nem querem”, lamenta.A maioria dos clientes de Luís Filipe Ribeiro é homem e, normalmente, “pessoal de trabalho”. “Só tive aqui uma senhora que veio engraxar as botas, de resto é tudo homem”. Clientes habituais também são poucos. Apenas três que passam uma vez por mês. Um deles é um “senhor engravatado” que lhe pediu agora um trabalho diferente: tingir os sapatos castanhos de preto. São quatro euros extra que vêm ajudar a compor a carteira do engraxador. O engraxador iniciou-se na actividade há cerca de 20 anos, quando ficou sem o emprego na Companhia das Lezírias onde começou como aguadeiro quando tinha 15 anos. Os amigos engraxadores arranjaram-lhe uma caixa e o material e ele começou a aprender com eles. Teve como professores engraxadores conhecidos de Vila Franca como o Lucas, o Frederico, o Galo ou o Zé Encarnado.Na altura “chegámos a ser 10 aqui na rua e havia trabalho para todos”, recorda. Depois uns “morreram outros foram desistindo” e hoje está sozinho a engraxar os sapatos dos vilafranquenses.Por a profissão não dar dinheiro, há cerca de 16 anos Luís Filipe Ribeiro trocou as ruas pela construção civil e pelo comércio. No entanto, há cerca de um ano deixou de conseguir empregos nessas áreas e voltou a ser o engraxador de Vila Franca. Mais uma vez contou com a boa vontade de terceiros para fazer uma caixa e comprar os materiais para exercer a sua função. Os parcos “tostões” que vai ganhando servem-lhe apenas para comer. Tem sido assim nos últimos anos: ganhar somente para comer, porque desde há dez anos que vive na rua. “Nunca tenho dinheiro para um quarto”, lamenta.Entre um olhar cabisbaixo e um sorriso de confiança, o engraxador confessa esperar que os próximos dias tragam mais pessoas até à sua caixa na rua Serpa Pinto. “É que com as largadas de toiros as pessoas ficaram com os sapatos todos sujos”. Sara Cardoso

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