Clubes têm de se reinventar
Albino Maria, especialista em marketing e gestão do desporto, diz que viver dos subsídios é um erro
Licenciado em educação física, mestre em gestão desportiva e especialista em marketing do desporto, Albino Maria foi um dos autores da vertente desportiva do programa de enriquecimento curricular adoptado pelo Ministério da Educação. Uma voz respeitada no sector que considera que o aumento da prática desportiva tem de ser uma prioridade do país. Mesmo sendo preciso mudar quase tudo.
A taxa de prática desportiva na nossa região, e em todo o país, é muito baixa. O que se pode fazer para a aumentar?Há duas dimensões. Uma é a vontade política. Os decisores políticos têm de ter consciência da importância da prática desportiva na qualidade de vida das populações. Depois tem de haver uma estrutura técnica com competências para implementar os projectos. Basear as políticas locais ao nível da subsidiação é um erro crasso que já não se justifica. As autarquias têm de ser os motores do desenvolvimento desportivo. Não podem substituir as colectividades, à volta das quais devem andar todas as actividades, mas há áreas em que devem marcar posição.Por exemplo?Em Rio Maior fizemos um estudo que baseou o desenvolvimento do plano estratégico do desporto, onde detectámos que a taxa de participação desportiva do concelho era de cerca de 22 por cento, um ponto abaixo da média nacional. Isto incomodou-nos. A nossa prática desportiva não pode ser só referenciada ao número de equipas que fazem desporto federado, tem de ser pensada relativamente ao número de cidadãos que pratica desporto informal.E qual é a melhor estratégia para implementar essa prática desportiva?Depois desse estudo implementámos um projecto a que chamámos “Mais desporto - mais saúde”. Esse projecto levou a que, pelo menos duas vezes por semana, as populações das aldeias tenham oferta de actividades desportivas. Como não havia oferta nesse sector, a câmara teve de a preencher. Em 2007 vamos fazer novo estudo para verificar a taxa, mas tenho a certeza que deve situar-se entre os 35 e os 37 por cento.Os benefícios desta aposta reflectem-se a outros níveis, nomeadamente na qualidade de vida…Há estudos que comprovam que uma população activa tem menor taxa de absentismo ao trabalho, maior taxa de rendimento e menores custos com despesas de saúde. Um cientista americano fez um estudo em que acompanhou a mudança de comportamento de pessoas que eram inactivas e que passaram a praticar desporto. Concluiu que por cada dólar investido na prática desportiva da população, a economia obtém ganhos de três dólares.Onde se inserem aqui os clubes que são os grandes sorvedouros dos subsídios das autarquias?O paradigma que deu origem aos nossos clubes que jogam futebol nos campeonatos distritais e nacionais não tem enquadramento nos dias de hoje. Esses clubes têm de se reinventar. Há aqui um anacronismo grande. Os cidadãos que têm melhores condições para a prática desportiva, com relvados, gabinete médico, massagens, toda uma estrutura organizativa, não pagam para praticar desporto. Ao contrário do cidadão comum que paga e não tem essas condições. Isto apesar de ser correcto e justo que o cidadão assuma uma parte dos custos da prática desportiva.E qual é o futuro desses clubes?Têm de se reinventar. Há 30 anos lembro-me que quando o União de Santarém jogava com o Peniche havia excursões e tinha um enorme impacto local. Hoje isso já não acontece.Mas é difícil dar a volta a essa situação quando são as autarquias que alimentam esse vício…É um ciclo vicioso que tem de se quebrar. As autarquias têm de investir é na qualidade de vida das populações e na prática desportiva de base. É óbvio que não nos podemos desligar de alguma importância que o modelo de atletas de alta competição pode transpor para a motivação de jovens para a prática desportiva. Mas isso não justifica tudo. É justo que as autarquias apoiem os clubes que fazem formação, mas apenas nesse esforço.E como fazer isso quando os próprios clubes da primeira liga são subsidiados pelo Estado?Isso não faz sentido. Sou contra isso. As mais valias que o Estado dá a esses clubes têm de ter contrapartidas ao nível dos impostos.Tentou implementar esse modelo quando foi presidente do União de Santarém?Tive muitas dificuldades. Uma vez no balneário, perante a iminência de uma greve, disse aos jogadores que dali a uns anos, em vez de receberem dinheiro, tinham de pagar para praticar desporto porque mais ninguém tinha as condições que eles tinham.Como vê apoios como aquele que a Câmara de Santarém deu ao Núcleo de Basket de Alta Competição de Santarém?Não faz sentido! Uma equipa profissional ou é auto-suficiente ou não tem razão de ser.O que é que esse tipo de clubes tem de fazer para sobreviver?Devem olhar para os jogadores que têm nos escalões de formação e daqui a cinco anos cem por cento da equipa sénior vai ser baseada nos jogadores da formação.Mais clubes e mais pequenosJá o ouvimos defender que os clubes não precisam de mais sócios mas de mais praticantes. Mantém essa opinião?Claro. Nós temos um rácio de clubes muito baixo por número de habitantes quando comparado com outros países. Nós temos uma colectividade por cada 1.650 habitantes. Na Suécia existe um rácio de uma colectividade por cada 260 habitantes. Isto que dizer que lá há muitos mais clubes. Não terão grande número de sócios mas dão resposta às necessidades dos associados. Se é um clube de caça, todos caçam, se é um clube de natação, todos nadam.O nosso país precisa de mais clubes?Mais clubes e clubes especializados. De hóquei, de rugby, de ténis, de ginástica e por aí adiante. O paradigma do clube que tem uma base de dois ou três mil sócios para apoiar uma equipa ao fim de semana não faz sentido. A equipa pode existir à mesma mas o clube tem de encontrar soluções para a prática desportiva dos seus sócios.O paradigma do clube eclético tem os dias contados?Os custos de enquadramento de equipas a esse nível são incomportáveis. Ou os praticantes suportam esses custos ou há uma indústria que se auto-sustenta através da publicidade e das receitas de bilheteira. Ao longo dos anos o que tem vindo a acontecer é cada ano que passa esses clubes têm maiores dificuldades… mas não mudam.Jorge GuedesJoão Calhaz
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