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A cegueira não é um bicho de sete cabeças

As viagens, os livros, a boa comida e os amigos
É num gabinete da Casa da Juventude de Alverca que Carlos Lopes, 38 anos, psicólogo, passa grande parte da manhã. Há uma tela que já lá estava quando chegou, várias fotos a preto e branco e postais com memórias de viagens. Na secretária tem um computador adaptado que utiliza todos os dias, nem que seja apenas para ver o correio electrónico. A partir dali coordena o Gabinete de Orientação Escolar e Profissional integrado no Centro de Recursos e Animação Educativa que trabalha na área da formação de professores e educadores, na promoção de debates e gere uma publicação e uma biblioteca. São nove horas da manhã e Carlos Lopes chega acompanhado da sua cadela guia Gucci. Veste calça de ganga e uma camisa de bombazina num estilo desportivo. Depois de colocar a conversa em dia com as suas colaboradoras, prepara mais uma jornada de trabalho. As horas que se seguem são de contactos permanentes com alunos, professores e instituições ligadas ao ensino.Às 15h30, Carlos apanha o autocarro e vai para Lisboa. Começa a treinar às 16h30 e termina cerca das 19h00. O regresso a casa nunca acontece antes das 20h30, sempre com a Gucci por perto.Ao sábado treina de manhã e depois fica com dia e meio para colocar a leitura em dia e conviver com osamigos. Está a ler dois livros, um deles da colecção Templário de Mickael Jeks, cuja acção decorre no século XIV em Inglaterra. Não tem um livro da sua vida, mas gostou de ler o Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas, O Alquimista de Paulo Coelho e A Casa dos Espíritos de Isabel Alhende. Três das publicações que aconselha no seu sítio na Internet em www.carloslopes.no.sapo.pt.A Internet é utilizada mais para trabalho que para lazer. Carlos recusa estar muito tempo preso ao computador e não se deixa envolver nos canais de conversação. Vai ao banco através do teclado e integra duas listas de pessoas que trocam informação sobre cães guia e livros através da Internet. “É fantástico poder ler um livro que acabou de sair e é mais económico”No sítio criado por Carlos Lopes há lugar para o seu currículo profissional e desportivo e uma página dedicada à sua companheira fiel, a cadela Gucci que o guia para todo o lado (ver caixa). Viajar é um dos prazeres de Carlos Lopes. Não pode ir a todos os sítios que gostaria, mas também nas viagens venceu as condicionantes e partiu à descoberta de outros mundos. Ficou encantado com as duas viagens que fez ao Brasil. “Gosto de viajar para sítios diferentes. Adorava ir ao Ártico e à Amazónia e fazer o Transiberiano, mas falta-me a companhia. Se pudesse ir sozinho ia”, diz. O atleta não gosta de seguir os roteiros turísticos, gosta de perceber como se vive em situações mais complicadas, “por exemplo na Sibéria com 40 graus negativos”. O ano passado foi com os amigos do atletismo à Suécia para ver como se vive num país nórdico com temperaturas negativas e coberto de neve. Carlos Lopes é um bom garfo. “Gosto muito de comer e pouco de cozinhar”.Tanto lhe sabe bem uma sardinhada com broa como um prato mais elaborado de bacalhau ou carne. É apreciador de vinho e bebe moderadamente ao fim de semana. “Gostava de perceber mais de vinhos”. As refeições durante a semana são acompanhadas de água ou sumo.Das memórias de infância guarda a bicicleta e o colégio de freiras que deixou em Moçambique e onde aprendeu a ler e a escrever. Carlos viveu quatro anos em África antes de rumar até ao Bom Sucesso, em Alverca, onde cresceu, estudou, fez amigos e ainda desfrutou do prazer de ver o mundo com os olhos.A experiência vivida no Centro Infantil Hellen Keller, em Lisboa, marcou para sempre a construção da sua personalidade. A escola especializada em alunos com deficiência visual integrava também alunos normais. “Proporcionou experiências fantásticas”, recorda. “O aceitar das diferenças e o perceber que a cegueira não é um bicho de sete cabeças”, acrescenta. Carlos fez o segundo e terceiro ciclos em Alverca. Entrou com distinção na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Faculdade de Lisboa e, concluído o curso, seis meses depois foi trabalhar para a Câmara Municipal de Vila Franca onde está há 12 anos.

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