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O que sabemos e o que podemos contar

Uma das questões que sempre me atormentou mais nesta profissão foi a diferença entre escrever aquilo que sei e aquilo que posso contar. Um martírio comum a muitos colegas que se verifica sempre que temos em mão alguma história que consideramos credível ou que sabemos que é verdade mas sobre a qual não temos nem testemunhos nem documentos que o comprovem. Todo o jornalista fica frustrado quando isso acontece e quando não consegue avançar com uma notícia por falta de elementos.O que muitos não sabem, ou não querem saber, é que os jornalistas estão sujeitos a sanções sempre que não conseguem provar que algo é verdade. Mesmo que o seja... Nos últimos tempos vários jornalistas desta casa foram acusados e alvos de processos judiciais. Felizmente, até ao momento, nenhum foi condenado. Eu próprio já passei por esse tormento.Durante cerca de dois anos estive sob termo de identidade e residência e não me podia ausentar do país por mais de cinco dias sem autorização do tribunal. Como qualquer larápio ou traficante de droga. Tudo porque o visado num texto achou que o que eu escrevera tinha prejudicado a sua vida pessoal e profissional. “Vai ter de pagar nem que seja uma caixa de gelados para a minha filha que ficou perturbada com o que escreveu”, disse-me numa altura em que nos cruzámos na rua.Mesmo tendo documentos que suportavam o que tinha escrito, tive de sentar o “cu no mocho”, como se costuma dizer. Felizmente, o juiz considerou que eu apenas exercera o meu dever de informar e pude guardar o dinheiro da caixa de gelados para comprar uns doces para a minha própria filha. Mas nada garante que outro juiz, noutro qualquer tribunal, tenha a mesma interpretação.A criação recente da Entidade Reguladora da Comunicação, que veio substituir a Alta Autoridade para a Comunicação Social, deixa algumas dúvidas sobre os limites ao direito de informar, sobretudo porque algumas decisões já conhecidas parecem totalmente desajustadas daquilo que foi – e deveria continuar a ser – a liberdade de imprensa.Diz o estatuto dos jornalistas que “a liberdade de expressão e de criação dos jornalistas não está sujeita a impedimentos ou discriminações nem subordinada a qualquer forma de censura”. Diz também que “os jornalistas têm o direito à protecção dos textos, imagens, sons ou desenhos resultantes do exercício da liberdade de expressão e criação, nos termos das disposições legais aplicáveis”. Diz ainda que “o direito de acesso às fontes de informação é assegurado aos jornalistas”.Quem anda no ramo sabe no entanto que não é assim. Cada vez mais há tentativas de controlar os jornalistas na sua acção, muitas delas sob a forma de lei. Desenganem-se no entanto aqueles que pensem que este é apenas um problema dos jornalistas e dos seus órgãos de informação. Pela forma como as coisas andam, um dia destes a sociedade civil vai ter de se chegar à frente e dizer se quer ou não que os jornalistas tenham liberdade para exercer a sua função. Se quer ou não que os poderes instalados sejam questionados. Se aceita ou não que a actividade jornalística seja cada vez mais limitada e que os jornalistas fiquem cada vez mais envergonhados na sua escrita. Como diz o outro, “a mim ninguém me cala! Mas têm de me ajudar a manter a caneta afiada…Jorge Guedes

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