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Santinha, os meninos e a casa assombrada

Santinha, os meninos e a casa assombrada

Santinha. Tantos nomes no mundo e logo o seu tinha que carregar um fardo pesado. Entrei-lhe pela casa um destes sábados solarengos. A mulher de rosto miúdo e figura franzina descia pelas escadas caiadas de branco do prédio pequeno de construção antiga com um dos cinco meninos ao regaço. Acenou-me ao longe a avisar que era ali o seu refúgio. Às portas de Lisboa.Santinha não tem muito mais que um metro e meio de altura. A sua alma contudo é do tamanho do mundo. Foi lá bem no fundo que fechou a sete chaves anos de agressões e de dor. O que sentirá uma mãe que na fase mais escura da sua vida não tem leite e pão para dar aos meninos pela manhã?Não sente, sofre. Santinha sofreu. Mas resistiu. Agarrou com quantas forças tinha a ajuda da mão que a resgatou na pior altura da vida. Arranjou trabalho, rebuscou os filhos das instituições que os acolheram quando o sustento falhou e hoje vive de coração cheio com os meninos que lhe dão coragem para enfrentar o dia a dia.Três horas antes do sol nascer parte para aventura da vida, do trabalho. Gasta as horas do dia de esfregona na mão. A limpar o chão e as escadas na instituição onde trabalha. Em casa repete a rotina. Cheira a frutos silvestres na cozinha. A limpeza ofusca a carência. Com as mãos que transforma em alavancas só não consegue afastar a humidade profunda e as baratas que sobem da casa vazia do andar de baixo. Santinha dorme num sofá destruído pelo tempo. Que as horas de repouso são poucas. Os meninos têm o sono tranquilo no pequeno quarto da frente. Depois de estudarem sobre os joelhos. Que a casa é demasiado pequena para acolher uma mesa. Os mais novos – que não entendem a injustiça dos dias – inventam contos de fadas para explicar o destino. A mais pequena acredita que a casa é assombrada. Tal como a vida de Santinha. Há quase 17 anos. Pode ser que a história tenha um desfecho digno de um conto de encantar. Que a vida se desassombre, que os meninos ganhem um novo lar pintado de cor alegres. Santinha acredita. A esperança é contagiante. O final feliz está nas mãos dos homens.Ana Santiago
Santinha, os meninos e a casa assombrada

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